quinta-feira, julho 06, 2006
Celine
Acorde pequena Sara depois de amanhã. Quando o furacão tiver passado e as gotas da chuva tiverem secado e o vidro da janela estiver transparente. Acorde pequeno Saulo quando todos os dedos estiverem estalados e a maçã apodrecer no centro da mesa. Acorde pequeno Tomas quando a escada estiver enferrujada e o pó estiver cobrindo os degraus do segundo andar. Acorde Camila quando a rua encher e os ratos morrerem afogados. Quando o sol estiver se encontrando com a chuva e uma meleca for encontrada em um pano de cetim.
Conte os dias para atravessar o Mediterrâneo. Conte as lágrimas do bebê recém-nascido. Conte os pêlos de seu corpo. Os arrepios de frio.
Mas só hoje não acorde doce Celine, deixe-a pendurada pelo cordão de ouro do tempo duplo, deixe-a enforcada nas memórias eternas, deixe-a cega por um dia atrás da saudade doída, atrás do sexo perfumado. Deixe-a partida nos grãos de arroz branco, no vinagre codificado, no azeite brilhante. No sangue pisado, na flor do caixão, no cheiro do travesseiro. No hálito do homem de bruços. Deixe-a gemer na brisa do porto. Nos arrepios da madrugada. Na terra fofa do barro. No amaciante do edredom. Na torrada da padaria. Espere-a nas bolas da esquina. Nas capas de cultura pop. No mp3 da irmã de Júlia.
Mas não a ame. Eu tentei e a matei.
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