quarta-feira, dezembro 17, 2008

O caixote de Helena

Coçava cabeça como quem é mordido por mosquitos na perna. Dava leve tapinhas no cabelo. Me contaram que era tanoréxico. Coisa de pele bronzeada, entende? Vivia perguntando para todos do depósito: Por que o halls preto é branco? Todos respondiam com a piada do filhote de urubu.

No mundo do depósito só havia espaço para piadas de clichês porque ninguém queria pensar muito enquanto encaixotava. Até que um dia ele veio intrigado por um filme, onde uma mulher tinha sido picotada e a última cena era o cotoco dela na cama. Ficou obcecado. Achava que os funcionários encontrariam a tal da Helena em algum dos compartimentos de madeira. Antes de empilhar qualquer caixote, ele o sacudia. Fazia um mês e 3 dias que sempre repetia o procedimento. No fim da tarde após esses 33 dias ouviu algo dentro da caixa. Só ele, claro. Quis tirar os pregos com a unha. Jurava que alguém arranhava a madeira. Os colegas de trabalho ficaram irritados. Foram reclamar com o supervisor. Enquanto ele descosturava o grande estojo com as próprias mãos, desesperado para salvar quem estivesse dentro, seu supervisor descia da sala, irritado.

Todos viram, inclusive o supervisor, quando ele libertou o que ouvira. Uma grande ratazana com um buraco na barriga que cuspira um verme em sua testa. Ao bater com um pedaço da caixa no verme tentando se livrar de pestilência também desmaiou.

Acordou duas horas depois com uma marca de prego na fronte.



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quarta-feira, dezembro 10, 2008

Bólide

Dois meninos brincavam de gude com um gongolo quando um fragmento espacial passou na cidade de Lambari D'Oeste liberando a cauda de um cometa que se desprendeu pelo contato com raios solares. Vegetação queimada. Cratera no solo. Barulho de sequência de trovões. Foi só penetrar na atmosfera terreste que o meteoro deixou um rastro luminoso. Aí os meninos mudaram de lado e começaram a brincar com o gongolo reserva.



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A menina fantástica

A bandeira branca comichava. Balançava de leste a oeste enquanto ela cantarolava uma sinfonia criada por memórias imaginadas. Jurava pro seu timo que era aquela música que tocava no momento que pisara pela primeira vez nas areias praianas. É claro que era uma memória inventada. Trilha sonora daquelas que se criava para editar a vida alheia para o Youtube. Documentário do eu.

Sentiu passar um fusca vermelho sangue que percorria o caminho a 60 por hora no asfalto. Sentiu um homem enfiar um marcador de madeira bem fundo na areia. Uma gaivota caolha mergulhar por um salmão albino no mar. Sentiu conchinhas que brilhavam com o óleo vindo das pias das cozinhas abaixo das ondas. Um cachorro que competia com pombos na orla.

A bandeira branca comichava. Se os documentários de primeira pessoa jogavam com o emocional e a videoarte impressionava os olhos perspicazes dos humanos, ela estava longe de sentir-se conectada ao mundo. Não sentia o impacto emocional porque seguia o fluxo da sensação. E sensações eram sempre passageiras. Daquelas que quando se lembra já se esquece. O vácuo que faz alguém apertar o lábio com os dentes superiores. O caráter não linear.

Era uma menina fantástica. Daquelas que ainda acreditam que se deve tampar espelhos com paninhos de filó. Que assopra velas e pensa em desejos. Que anda de costas pelos meios fios. Que se ajoelha na praia para que tatuís possam encostar à sua pele.

A bandeira branca comichava. A mão da menina fantástica ajeitou o pano que balançava de leste a oeste. Em letras elaboradas por um jet preto pichou: “Eu não me encontro com as pessoas porque elas me dão tédio.” Depois botou o cabelo atrás da orelha e partiu. A bandeira ficou ali por dois dias e vinte e três segundos. Aí foi rasgada por um chow-chow preto filhote.



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