sexta-feira, julho 07, 2006
Clara
Clara não podia se mexer. Nenhum músculo. Estava presa na cadeira. Há exatos 20 anos, quando o médico entrara pela porta giratória, ela via tudo pelo mesmo ângulo. Nunca levantar a cabeça. Nunca poder mexer os lábios. Nunca poder abrir as pernas. Nadar. Ver e nunca poder se mexer. Ouvir e nunca poder responder. Sentir e nunca poder se expressar. Pensar e não ter ninguém para conversar. Engolir e não saber o gosto. Ter as pessoas por perto e não abraçá-las. Ver as crianças beliscando seu braço e saírem rindo. Havia 27 sentidos diferentes para entender o vento. 29 direções. 56 tipos de insetos que se instalavam no jardim. Milhares de definições para os raios do sol. Ela conseguia identificar cada estágio de transformação das flores. Teria estudado botânica. Teria ensinado poemas franceses. Como eram bonitas as palavras. Às vezes, enxergava as auras das pessoas. Às vezes sabia distinguir o bom do mau. Como daria tudo para uma taça de vinho tinto. Como daria tudo para ter seus dentes de volta e poder sorrir. Nenhum músculo. Involuntários movimentos. Mulher cantando de costas. O único som produzido era do seu suor. Dia quente, pensou.
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