terça-feira, julho 11, 2006

Free One

Era uma vez um rapaz moreno que morava na casa da esquina. Diego. Ele trabalhava em uma loja de conveniência de domingo a domingo. Escala rotativa. Salário miserável. Um dia na vida patética dele e compreenderíamos os roubos dos políticos. Não entorpecemos nossas vidas para esquecer o tédio? Não guerreamos para provarmos que somos mais fortes que a morte? Não matriculamos os filhos nas melhores escolas para que eles sejam melhores competidores?
Diego abre a loja todos os dias às 6 da manhã. Seu chefe é um evangélico que dá propina para o pastor da Nova Vida. Eles adulteram gasolina e compram galinhas roubadas para revenderem em Campos. Diego não fuma, mas bebe cerveja no bar do Anderson. Seu cotovelo é sujo de gordura porque ele bebe comendo lingüiças de porco. Não há toalhas na mesa. Chave na porta. Cheiro de Limpol. Dona Mazé limpara ontem o departamento. Esquecera o Veja em cima das salsichas do cachorro-quente. Diego ajeita o uniforme, confere o caixa, pega um escovão e limpa o chão novamente. Arruma as prateleiras, pensa no show de pagode que sua mulher foi sábado passado. Lembra de Marina. Toca punheta no banheiro com cheiro de Omo. Joga a porra na pia. Ele gosta de ver a água escorrendo no pau. Limpa as mãos com sabonete líquido verde. Olha os dentes no espelho embaçado. Passa gel no cabelo. Abaixa as calças. Caga. Limpa a bunda. Cliente espera.
#Tô indo!
Levanta as calças. Não dá descarga, deixa a merda nadando com formigas vermelhas e guimbas de cigarro. Não lava as mãos.
#Tô aqui, moça.
#Oi. Quero um Free One.
# Não tenho troco. Abri o caixa agora.
#Vai ali no Posto e troca.
#Não posso deixar a loja sozinha.
#Mas eu quero um cigarro.
#Não tenho troco.
#Eu fico aqui.
#Quem me garante que a senhora não vai roubar?
#Que isso?! Claro que não vou roubar.
#Não posso confiar. Perco meu emprego.
#Mas não tinha ninguém aqui quando eu cheguei!
#Eu tava no banheiro.
#Viu? Não tinha ninguém aqui!
#Eu estava aqui, só que no banheiro.
#E se eu roubei alguma coisa?
#Eu preciso chamar o gerente então.
#Você sabe que eu posso muito bem te denunciar? Você vai para o olho da rua, seu porco fedido!
#Satisfação.
#Vai se fuder! E leva essa loja no cu!
#Obrigado e volte sempre!

Cliente bate a porta.
#Mal educada!

Diego vai para trás do balcão. Abre a caixa registradora. Tira um bolo de notas, enfia no envelope. Vemos várias moedas no caixa.

#Sangria de novo? É, seu Geraldo! Vai enriquecer este ano!

Dá uma risadinha de porco e sai cantarolando “O destino aqui me trouxe. Cantar para vocês eu vou, eu só trouxe coisa boa, foi meu sertão que mandou”.

Para quê pagar IPTU, hein?



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