segunda-feira, julho 17, 2006

O homem que não comia maçã com casca

A maçã estava comida pelas beiradas. Seus caroços estavam nitidamente apodrecidos. O homem mastigava. Formigas passeavam pela ponta da pia. Iam e viam de seus caminhos flutuantes. Terceira fruta. Ele pensava no amanhã. O que faria. Como faria. Necessitava calcular para registrar os lucros. As porcentagens, a parte líquida da bruta. Suas viagens. A promessa de levar sua avó para Aparecida do Norte. As mulheres da faculdade. A dívida da casa da praia. Se investisse mais, daria para comprar o novo iate. Se jogasse sujo, dava para arrecadar fundos e se associar à Ong nacional que forjava imposto em troca de premissas interessantes. Poderia apostar nos vereadores locais. Quatro anos de regalias. Não, tinha que abordar os senadores. Peixe se pega pela goela, não pela minhoquinha. Sexta maçã.

A maçã é uma das frutas
mais cultivadas do mundo. A maioria das maçãs produzidas são frutos das macieiras, árvores da família Rosaceae
, pertencentes ao género Malus. As variedades mais comuns são M. domestica e M. sieversii e respectivos híbridos.

O homem não comia maçã com casca. Alto teor de pectina.
Também detestava os agrotóxicos. Preferia desnudá-la e saborear o interior, como fazia com sua coleção de moedas de um real. Gostava de cheirá-la assim como a fruta.
O homem então, cabisbaixo, em seus pensamentos monetários, resolveu cheirar as formigas. Ele tentou, mas não conseguiu. Tocou a antena de uma. A formiga desesperou-se e caiu em um copo. Tentou mais uma vez, a outra atingiu a geladeira. O homem, com raiva, pegou a maçã e esmagou a formiga. Um estalo. O que ele não sabia era que uma formiga esmagada deixa uma feromona de alarme que, se for numa grande concentração faz com que as formigas que estiverem próximas entrem em ataque. Sem noção disso, o homem começou a esmagar todas as frutas em todos esses seres do mundo dos insetos.

O que ele também não sabia era que as formigas atacam e defendem-se mordendo ou picando, por vezes injetando compostos químicos no animal atacado, em especial, o ácido fórmico
. E o que ele também não sabia era que debaixo de sua pia havia mais ou menos a população da cidade da França em túneis e berçários subterrâneos.

Sim! Ele havia encontrado a solução! Teria o poder de volta! O dinheiro, a fama, a competição, o status. Um barulho vinha de dentro do cano central.

Sim! Tenho que ligar para a empresa!

Mas o cheiro estava forte. Um odor exalava da cozinha. Curioso, ele retirou a peneira do buraco da pia e colocou o dedo. Uma pequena fisgada.
O que ele também não sabia era que as pequenas formigas desenvolvem-se por metamorfoses
completas, passando por um estado equivalente à lagarta. A lagarta não tem pernas e é alimentada pelas obreiras por um processo chamado trofalaxia, no qual a obreira regurgita alimentos por ela ingeridos e já parcialmente digeridos. Os adultos também distribuem alimento entre si por este processo. As larvas e pupas precisam de temperatura constante para se desenvolverem e, por isso, são transferidas para câmaras diferentes, de acordo com o seu estágio de desenvolvimento. A diferenciação
em castas é determinada pelo tipo de alimento que recebem nos diferentes estados larvares e as mudanças morfológicas que caracterizam cada casta aparecem abruptamente.
Ao colocar a peneira no buraco da pia um estouro. Como um grito vampiresco, as formigas explodiam e saiam do buraco. Rápidas, insistentes, elas postaram-se diante do homem. A última maçã estava em sua mão. O fone do telefone em outra. As formigas se comunicam através de compostos químicos chamados feromas. Um feromona de alarme.
O homem esqueceu a solução de seu problema. O fone caiu. Não houve tempo para pensamentos, nem segundos onde a vida passava. Todas as cavidades humanas foram preenchidas. Seu corpo tinha perfume de maçã, um líquido doce escorria por sua boca.
Algumas espécies de afídeos segregam um líquido doce que normalmente é desperdiçado, mas as formigas recolhem-no e, ao mesmo tempo, protegem os afídeos de predadores e chegam a transportá-los para locais com melhor comida.
O corpo humano é frágil e vulnerável. Acredita-se que a primeira aparição das formigas na Terra foi durante o período Cretáceo (há mais de 100 milhões de anos) e pensa-se que elas evoluíram a partir de vespas que tinham aparecido durante o período Jurássico.

O homem era cooperativo, inteligente, comensal, parasita e aproveitador. Adorava maçãs. Mas o que ele não sabia era que algumas espécies, chamadas “formigas-assassinas”, têm a tendência de atacar animais muito maiores que elas, quer para se alimentarem, quer para se defenderem.
Se era alimento ou defesa, não podemos confirmar, mas a agressividade
e espírito de vingança vinha do cheiro humano.
Na cozinha, agora, só cascas de maçã.



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