quarta-feira, julho 19, 2006
O menino que sabia contar estrelas
João Gabriel tinha 8 anos quando sua tia lhe contou os segredos das estrelas.
'... e se você conseguir, João, poderá sim ir para lá.'
Ele ouvira atentamente. Depois daquela conversa, ele passava duas horas sagradas olhando para o céu. Da varanda de sua casa, juntamente com Thor, seu gato, ele se perdia. As estrelas brilhavam mais naquela época e ele ainda não tinha um ICQ. Thor era mais fraco, não agüentava o silêncio e ia beber seu leite de vez em quando. Mas curioso, sempre voltava. Aí João acariciava seu focinho, colocava-o no colo e juntos contemplavam a abóbada celeste noturna. De vez em quando, ouvia-se um grilo, outras Thor adormecia, mas os olhos do pequeno João não piscavam.
Foi nessa mesma época que João descobriu seu segredo. Sim, porque todas as pessoas tinham segredos. Sentiu medo e calafrios quando seu pensamento sussurrou em seu ouvido. Passou mais ou menos três meses ouvindo sua mãe perguntar o que acontecera. Depois desse tempo, ela parou.
O dia da revelação foi uma noite quente. Ele não conseguia dormir. Mosquitos faziam barulho perto do travesseiro. Cigarras estavam prestes a morrer depois dos cânticos veraneios. João Gabriel saiu do quarto com os pés nus. O chão vermelho estava gelado. Thor não estava em sua cama. Abriu a porta da varanda bem devagar e pulou para a parte de fora. Um vento mais forte fez a porta bater com mais força, atrás dele. Esperou alguns minutos, de olhos fechados, pois tinha certeza de que seus pais apareceriam e uma falação começaria. Mas o minuto se passou e nada aconteceu. Ah! Sim. Um sino dos ventos, aqueles que ficam pendurados na porta ou na janela, vibrara com a brisa quente.
João abriu os olhos. Fitando o céu estava Thor. Seus olhos não piscavam.
‘Thor?’
O gato não miou. Virou a cabeça convidando o menino a se sentar. João deu 7 passos em direção à seu gato de 7 anos. Os dois ficaram sentados por 7 minutos. João tinha um sorriso no rosto e olhos vidrados no céu. Thor foi à procura de sua bebida e quando voltou tinha bigodes de leite. A mão de João ia em direção à seu focinho quando ouviu:
‘Você caminhará só, João.’
O menino de 8 anos desviou o olhar do céu para o felino.
‘Não adianta se esconder na multidão. Sua passagem é solitária. Este é o segredo.’
João piscou mais forte e mais vezes. Seu gato o fitava.
‘Uma noite longa. Uma vida curta, mas já não me importa...’
O bichano então sentou-se perto de João. Com uma respiração bem equilibrada, ronronou carinhosamente. João limpou seus bigodes e os dois voltaram a olhar para o céu.
Dia seguinte, Thor amanheceu morto.
O enterro foi perto do morrinho. Seu pai cavou um buraco bem fundo e o jogou lá. Estava quase anoitecendo quando acabara. João colocou uma tulipa no monte de terra e ajudou o pai a levar as pás para casa.
Seu pai dirigiu-se ao banheiro e João voltou-se para o céu da varanda. A verdade é que todos os meninos sabem contar estrelas, mas quando se assombram, esquecem. E aí, começam a crescer.
O dia estava frio. Era um dia para os esquecidos. João não conseguia mais fitar o céu, somente os dedos das mãos. Seu avô dizia que na época dele as pessoas que muito olhavam para mãos logo morreriam.
João olhou para cima, mas o céu estava negro, sem estrelas e sem planetas. Uma lua minguante se escondia atrás de nuvens cinzas. Ele se assustou com um barulho no mato. Pulou quando um vento mais forte o atingiu. Correu e abraçou a mãe quando uma coruja cruzou o telhado de sua casa.
Nunca mais sentou-se ali.
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