A batata estava podre. Chen abriu a gaveta de sua escrivaninha pela décima sexta vez. O cartão postal ainda estava lá. No computador de sua secretária tocava A boy like me. Uma mosca passeava pelo seu microfone. Pela janela ele viu um homem baixo tocar uma gaita de foles.
A batata está podre mesmo, pensou. Sinto o cheiro de vencido daqui. Minha barriga já está embrulhada só de pensar na acidez que trará a meu estômago.
Levou mais uma porção à sua boca.
# Esse é o jeito cosmopolita de morrer, injetando lentamente tóxicos intravenosos pela boca.
# Oi? Falou comigo, seu Chen?
# Desde quando você ouve música eletrônica, Samira?
# Tava barato nas Americanas.
# Você sabe o que eles estão falando?
# Eu? Claro que não, seu Chen.
# Eu quero dois cachorros, dois gatos, uma cozinha espaçosa e...
# Para agora ou para a próxima semana?
# Eu estava traduzindo para você.
# Ah! Não precisa.
# Você não quer saber de quê que se trata?
# Para quê?
A batata podre tinha atingido seu suco gástrico, ele sentiu quando ela afundou na imensidão verde.
Sentou novamente em frente ao computador. Abriu a gaveta de sua escrivaninha pela décima sétima vez. Pegou o cartão postal. O canto estava meio amassado.
“Paris é linda mesmo”.