sexta-feira, agosto 25, 2006
Explode-se, mas há sempre um outro dia
Daniela era uma menina bonita, educada e elegante. Mas tinha um grande problema: explodia com facilidade. No horóscopo de hoje leu: “Júpiter trigono sinaliza entendimento rápido, mas talvez incomunicável. A Lua em Virgem aponta sua necessidade de expressar suas descobertas, suas idéias, seus pressentimentos. Mas há dificuldade em fazer isso, e pode surgir o estresse, o nervosismo. Pra que? Contenha seu segredo”.
Bobagem, pensou ao fechar o jornal. Hoje estou praticamente uma faquir.
Esperou 40 minutos pelo ônibus.
Nada me perturbará.
Quando a condução chegou estava lotada porque os trens tinham feito greve até meio-dia. Conseguiu com muito sufoco chegar até o meio do veículo. Uma estudante de óculos lhe ofereceu o lugar.
Nossa. Realmente estou passando uma calmaria em meu semblante.
Tinha programado ler Jane Austen na viagem. Orgulho e Preconceito.
A estudante, com seu boné Von Dutch, continuou a sorrir para Daniela.
# Obrigada, Daniela respondeu.
# Nada, disse a menina ainda sorrindo. É para quando o bebê?
# Como?
# Você está grávida, não?
Dois meses de dieta e a pirralha me achou gorda!
Um ponto vermelho subiu em sua balança de tranqüilidade.
# Agosto.
# Então deve ser Leão ou Virgem.
# A gosto de Deus.
Daniela virou o rosto. Não ia continuar uma conversa sobre sua suposta gravidez de gordura com uma garota que segurava um caderno da novela Rebeldes.
Em uma viagem de 1 hora e 45 minutos viu pessoas subirem e descerem. Um velho magro fumou durante 15 minutos jogando a fumaça diretamente dentro da narina de Daniela.
1. Ela detestava Derby.
Uma mulher de argolas, escondendo um pintcher dentro de uma sacola de feira, pediu que Daniela segurasse o animal. O bicho passou 6 minutos tentando lamber o bico de seu seio.
2. Ela odiava babas animais.
Uma criança ficou 20 minutos beliscando seu braço enquanto sua mãe fazia cruzadinha.
3. Da última vez que tinha sorrido para uma criança foi no aniversário de 2 anos de seu sobrinho que mês que vem fará 15.
Uma evangélica ficou gritando por 23 minutos sobre o fim do mundo e a possível contaminação de Daniela, já que ela usava um pingente com o símbolo rosa do Demônio: a Hello Kitty.
4. Ela detestava os cânticos louvados dentro do ônibus puxados por essa mulher porque ela cantava em Si quando deveria cantar em Dó.
Conseguiu passar para a página 2 quando um grupo de teatro ambulante entrou pela porta da frente e usaram Daniela como experimento humano durante 30 minutos.
5. Ela agora odiava teatro porque eles tinham virado artigo burguês. Não ia dar 50 reais em uma peça só por causa de um ator global.
Os nervos tinham subido para 99,5.
Lembre-se da Índia, Daniela. Lembre-se das focas fazendo amor.
Uma mãe com um bebê esverdeado entrou esbaforida. Parou à sua frente. Nenhum homem se levantou. Não. Ela não queria levantar, mas seu senso de cidadania a perturbava.
# A senhora quer s...
O bebê esverdeado jogou um jato musgo em cima de Jane Austen. Faltavam 11 minutos para ela descer quando os 0,5% dos nervos atingiram seu cérebro. O oxigênio faltou. A mãe, sem graça, tentava limpar o musgo do livro enquanto que o bebê voltava a uma cor amarela. Os olhos de Daniela foram se esbugalhando. Sua cabeça foi aumentando.
# Moça, a senhora está bem?
Só faltavam 11 minutos para eu...
A cabeça de Daniela explodiu. O sangue chegou a atingir a nuca do motorista. Os miolos pararam na garganta do trocador. O bebê deu uma risadinha. Levaram Daniela para casa. A nova cabeça nasceu duas horas depois, com fios encaracolados de cabelo.
Droga, pensou. Amanhã terei que pegar o ônibus de novo.
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