terça-feira, agosto 01, 2006

Gracinha

Gracinha foi empurrada para dentro do metrô. A multidão a levara para o sentido contrário. Teria que esperar mais cinco estações para que pudesse voltar.

Não poderia fazer nada, então, suspirou. Um sujeito acima de sua cabeça começou a gargalhar. A loira, a seu lado, espremida entre um protótipo de chinês e um suburbano, espetara sem querer uma parte sensível da pele do cara, com seu palito japonês.

# Desculpa. Desculpa, disse, sem graça a loira. O sujeito parou de rir.

# Tudo bem. Brasileiro é muito feliz mesmo!

O vagão deu uma freada brusca. Os animais humanos, em calor uníssono, foram projetados para o mesmo lado, graças às leis da Física. O sujeito começou a gargalhar novamente.

# Todo mundo eleitor do Lula. Viva!

O vagão inteiro, inclusive as velhinhas que sentam nos bancos verdes ao invés dos laranjas, mostrou os dentes. Se na desgraça não há ninguém para culpar, xingue o governo. Viram piadas em dois segundos.

O sujeito tendo conquistado sua platéia privada, danou-se a perolar o português.

# Ai, meu Deus! Não consigo piscar meus olhos!

Mais um ziguezague antes do metrô entrar no subterrâneo. Ninguém cai. A Física unida não deixa.

Gracinha tentou virar para o outro lado e respirar mais livremente, já que o sujeito e a loira começaram a rir como companheiros, fazendo um muro sobre sua cabeça, impedindo o oxigênio de circular a seu favor.

A estação seguinte fez com que 1/3 da população do metrô descesse. Gracinha se encostou perto da porta. Uma mãe e filha adolescente conversavam.

Mãe: # Você tá com o cabelo igual daquela cantora de ópera. Qual o nome dela mesmo?

Filha: # Ã! É! Ah! Vanessa da Mata.

Mãe: # É.

“Viva a cultura underground”, pensou Gracinha.

Na próxima estação desceu. Agora tinha que atravessar um mundo de escadas rolantes para pegar outro metrô. Quando a porta que a levaria para casa se abriu, uma velhinha de salto rosa bico fino pisou em seu pé e passou à sua frente. Correu vitoriosa e sentou-se no banco verde, apesar do laranja vazio.

A porta abriu e fechou.

Gracinha sentou em outro banco, mancando. Felicidade não tem preço.



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