quinta-feira, agosto 31, 2006

Hering

Erika cruzou a rua despreocupadamente. Seus pensamentos estavam na cartomante que acabara de consultar.

# Você tem certeza de que quer conhecer seu amor? ela disse.

# Sim, Erika respondeu.

# Está escrito, querida. Será a última coisa que verá nessa vida.

Não acreditava em destino. Não lia horóscopo. Detestava Paulo Coelho e ria toda vez que alguém lia sua mão. Mas não evitou quando a cartomante se aproximou e puxou conversa.

# Não tenho dinheiro, moça.

# Eu só preciso falar, menina. Não quero nada precioso seu.

# 2 minutos. Quem é o grande amor de minha vida? perguntou quase gargalhando.

A cartomante contorceu seu rosto.

# Não acredito que dei ouvidos para essa...

Enquanto atravessava a rua, Natalie Imbruglia cantou na rádio da cidade. Erika ouviu perfeitamente os freios da picape em seu corpo e o estalo de seus ossos. Em um segundo, ela estava no chão. Algo quente a aquecia. Uma mulher saiu desesperada de dentro do carro. Essa coisa quente que a acalmava também estava lhe sufocando.

# Ela precisava de uma ambulância!

# Ela surgiu do nada!

Involuntariamente queria falar. Viu o vulto na multidão de curiosos. O rapaz de branco... ela conhecia. Erika sempre passava em frente a uma loja de camisas Hering e ficava horas hipnotizada pela visão do local.

O rapaz estava de camisa Hering branca e jeans, como o boneco que a atraia na vitrine.

Ela o conhecia!

Mas estava sufocando. Algo quente não estava deixando Erika falar. Levantou o braço e apontou para o rapaz. Parecia que ele esperava o sinal. Se aproximou chorando. Nem ele sabia porque as lágrimas teimavam em descer. O rapaz ajoelhou-se:

# Olá, pote de luz.

A mão em seu rosto a fez lembrar. Caminharam juntos, sorriram juntos, cantaram juntos, comeram frutas juntos, dormiram juntos, nadaram juntos, se abraçaram e se beijaram.

A poça de sangue estava aumentando em volta de seu corpo. O rapaz estava em prantos agora. Erika o puxou para perto de sua boca.

Sussurrou claramente:

# Eu ainda te amo.

Os paramédicos chegaram meia-hora depois. O sangue já havia atingido seus olhos. Tentaram revivê-la, mas a última imagem nebulosa que teve foi a marca Hering do menino de branco.



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