segunda-feira, agosto 07, 2006

O flâneur de Madureira

Era um garoto que como eu amava Baudelaire e The doors. Vagou no mundo procurando resposta para sua solidão.

Nicolas se formou em Medicina como seus pais queriam. Fez residência em Utah e casou-se com uma italiana. Em cinco anos, largará tudo e comprará uma passagem de ida para Índia. Deixar para trás, casa, carreira, mulher e suposto filho. Para a sociedade era egoísta. Para o mundo, um flâneur.

Ao passar com seu Audi TT Coupé ano zero, viu do lado da rodovia uma casa com uma placa que dizia Vendo canjica - 60 centavo. Largou o carro do lado de uma carroça. Nas 3 horas que se seguiram, só levaram o rádio. Sentou-se em um banco de ônibus, próprio para aquele viajante a procura de alimento com direito a leite condensado. A canjica era patrocinada por Ronaldo, o mecânico.

# Uma canjica, por favor.

A mulher, Dona Cacau, senhora gorda que usava uma camisa furada de um candidato à político, olhou-o de baixo para cima.

# Para viagem?

# Não, para agora. Com leite condensado. Tem?

# Claro!

Era o sinal positivo para que Dona Cacau contasse que morava ali há 10 anos e que tinha um filho na prisão que mandava sempre latas de leite condensado para ela no fim do mês.

# ... aí ele foi preso, doutor. E o comando continua lá em cima.

# Entendo, disse Nicolas, limpando a boca com um pedaço de toalha de papel.

# O senhor quer mais uma?

# Sim.

Os dois conversaram por três horas. Ele contou o porquê das pessoas esperarem tanto na fila do hospital e ela o porquê das pessoas, mesmo sendo boas, serem seqüestradas. Riram sobre o final da novela das duas, sobre a corrida de garçons em Copacabana, sobre a vida de Nicolas.

Quando saiu dali, jogou o carro em um vão com lama. Ligou para mulher dizendo que não a amava. Comprou a passagem pelo celular, mas antes de ir, passou em uma papelaria em Madureira e adquiriu um bloquinho. Seria seu laptop. Uma caneta Bic preta.

Pegou um ônibus e através do vidro, viu a cidade passar. A sensação de despedida era ritmada pelo tilintar da tinta de sua Bic. Anotou tudo. Só precisava de água para viver no mundo. Água, um bloco e uma caneta.

Seu instante na flânerie cabia na linha de sua mão. A rua era sua casa. A banca de jornal sua biblioteca. As línguas aprendidas, inglês, espanhol, alemão, português, frânces e árabe estavam em sua mente. O oxigênio existia na Terra.

No Brasil, na Índia ou na América Central as pessoas continuavam a se matar. Seja no Líbano ou no Canadá, a morte o perseguiria. Na selva ou na cidade, o homem era predador. Um caso de vírus mutante, enraizado no DNA, a brutalidade que corrompia a alma.

Ele havia achado uma cura ou pelo menos um meio de se entorpecer. Puxou a corda do ônibus e desceu. O mau cheiro do local poluído perto do aeroporto penetrou em sua narina. Sentou-se na cadeira fofa do aeroporto. Sua mão não parava. A partir daquele momento, descobriu-se escritor.



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