domingo, agosto 27, 2006

Os cabelos da grama

Só por hoje Nina deitará na relva e alisará os cabelos da grama. Contará os passos da joaninha mais gorda, porá a mão no rosto para se proteger do sol forte. Gotas de suor descerão pelo contorno de sua perna, parando em suas canelas. O moço passará vendendo pães doces. O carteiro porá a conta de luz dentro da caixa de correio. Ela o verá assobiando enquanto separa delicadamente a correspondência e ajeita o cabelo do menino de 4 anos que recebe as cartas descalço.

Nina esticará sua toalha sob a grama e colocará a mão no queixo. Morderá uma maçã argentina, enterrará o cabinho, abrindo um buraco, sujando as unhas de terra vermelha. Reparará que a pintura de sua casa branca descasca a cada chuva torrencial, que os vidros estão sempre limpos, que o mundo tem cheiro de torta de maracujá, que as sombras sempre estão na cerca do vizinho, que as unhas crescem enquanto dormimos.

Nina pegará um velho disc-man prateado para olhar o mundo com olhos musicais. Apertará o play e ouvirá a última música de sua vida. As notas musicais entrarão em seus ouvidos, como uma mensagem de conspiração. O dedilhado e os violinos se perderão nas ondas e voarão embora, para um lugar escondido onde as memórias são guardadas e teletransportadas para uma garrafa que será jogada no espaço.

Quero que meu nome seja escolhido pela Nasa, quero que a vida extraterrestre possa ver minha alma, perdida em anos-luz, pensou.

Ela esperou por uma resposta, mas a joaninha continuava a andar lentamente, segundo após segundo. No céu, as nuvens em forma de sorrisos, em forma de Pluto, em forma do número 3 da Turma do Bairro.

Em 24 horas um tsunami atingirá o jardim. Arrancará as cercas vivas de seu muro. As lindóias de sua varanda. As violetas de seu pote amarelo.

Em dois dias o mundo descobrirá seus pensamentos enrolados em um plástico-bolha. Seu corpo será inchado de água, mas suas idéias serão captadas por satélite. Pensarão de que se trata de vida extraterrena. Gravarão suas palavras em Beta. Em 5 dias, entretanto, a esquecerão.



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