sexta-feira, agosto 18, 2006

Os fins no meio dos escolhidos

O escolhido cruzou o vagão do metrô em direção a Marcello. No abrir e fechar de portas, penetrou pele adentro. Marcello começou a ver dois hemisférios distintos. O mundo material e o invólucro dos seres animados. Duas peles, 4 olhos, 10 sentidos.

Diferentes línguas foram mostradas pelos passageiros do compartimento. O vermelho intenso fez com que desejasse a flama osória. Concentrou energias para que o desejo passasse. Pensou em beijos molhados, em meninas nuas, em mulheres despidas, em música eletrônica.

Tudo era vago.
A fênix morria. O escolhido o perturbava.
Por que coisas boas têm fins?

Lembrou da primeira vez que abraçou Lívia. Do cheiro natural de seu cabelo. Da penugem clara que cobria os traços. Do batimento cardíaco encantador. Do guarda-chuva preto que os cobria. Dos músculos que se acasalavam em prol da alma invisível.

O escolhido o futucou.
A flama osória brotou na atmosfera para àqueles escolhidos que atravessam dimensões.

Há no mundo sensações únicas, pluralistas em quantidade, mas de unicidade humana. A flama osória era uma delas. Um raio colorido que saia do cérebro do escolhido, um ímã energético para aqueles que sabiam ver.

Marcello queria lembrar do desejo pela mulher que amava, mas a flama era sua vontade mais próxima de integridade.

Seguiu-a, saindo do vagão. Ela desceu as escadas. Destino: embarque linha 1.

O escolhido queria que ele corresse, mas ele não queria isso. Queria voltar e descolorir os cavalos marinhos de seu cavalete. Mas não podia. Era a flama que o enfeitiçava.

Ele só percebeu que estava longe quando os raios de sol se foram. A flama osória intoxicou seu pensamento.

Estava no Luna Park. Sentou-se em uma roda-gigante. O escolhido alisou seu cabelo. A flama pairava, flutuante à sua frente.

Ele só precisava afirmar. Brisa suave encostou-se em sua nuca, sussurrando: “Somos os escolhidos. Todas as coisas boas têm fins. Mas você pode mudas as desculpas, pode me trazer para o mundo, desde que aceite que só você verá, só você chorará sozinho”.

A flama osória à sua frente implorava um sim. O escolhido parou de piscar os olhos. Marcello gesticulou o sim.

Então a flama invadiu seus fios de cabelo, brilhando intensamente, fosforescendo seus olhos, trazendo a visão dupla para aquele que escaneava os sentimentos humanos.

Do alto do brinquedo, Marcello teve a melhor sensação, a mais solitária e a mais esperançosa.

A cidade piscava eletricidade abaixo, como se todas as coisas boas não tivessem fim.

Ele foi varrido para longe, para o alto da cabeça dos escolhidos. Evocou senhores e senhoras, almas pluralistas que procuravam a unicidade em uma totalidade efêmera.

Marcello desceu e comprou um algodão-doce.

Seu coração não batia, mas ele podia ver todas as cores do mundo.



Link esse texto // 6 Comentários





julho 2006
agosto 2006
setembro 2006
outubro 2006
novembro 2006
dezembro 2006
janeiro 2007
fevereiro 2007
março 2007
abril 2007
maio 2007
junho 2007
julho 2007
agosto 2007
setembro 2007
outubro 2007
novembro 2007
dezembro 2007
janeiro 2008
fevereiro 2008
março 2008
abril 2008
maio 2008
junho 2008
julho 2008
agosto 2008
setembro 2008
outubro 2008
novembro 2008
dezembro 2008
janeiro 2009
fevereiro 2009
março 2009
abril 2009
maio 2009
junho 2009
julho 2009
agosto 2009
setembro 2009
outubro 2009
novembro 2009
dezembro 2009
janeiro 2010
fevereiro 2010
março 2010
abril 2010
maio 2010
junho 2010
julho 2010
agosto 2010
setembro 2010
outubro 2010



Supercaliflagili...
Stuff no one told me
Post Secret
Mesa de Bar
Sentido Absurdo
O Diário Aberto de R.
Pigs in Maputo
Ventos Verdes
Sabedoria de Improviso
Páprica Doce
Escuridão