quinta-feira, setembro 21, 2006

Grãos de açúcar

“Eu existo para assistir ao fim do mundo”.

Cecília atravessou a ponte apressadamente. Levava debaixo de seu braço uma dúzia de ovos e pães de leite. O mar soprava sinos e os pensamentos soltos da cidade estavam desesperados para fugir. Ela só se apressava. Andava rapidamente porque ia chover. Se não chegasse logo em casa levaria uma bronca da tia.

O chão cinzento era refúgio para as formigas que conduziam grãos de açúcar até o jardim detrás da pedra. O ar livre percorria as fachadas azuis, os batentes de madeira e o sotaque português. A mulher que se debruça nas varandas do sono traz no bolso migalhas de pão para animais esvoaçantes.

Cecília se apressa. Aperta os passos. As batatas da perna doem, mas ela precisa chegar antes. A grande nuvem cinza forma-se devido ao choque de temperatura. A primeira chuva portuguesa. Cecília guarda os ovos debaixo da blusa, mas eles balançam ao longo de seus passos.

Ouve-se o palpitar de um bicho. A vida ferveu. A interpretação vital na água condensada acima dos cabelos lisos de Cecília. O vento suspirou. Ela correu. Dois metros para chegar à porta quando a água despenca do céu.

Seus sapatos deslizaram-se e os ovos penduraram-se no ar antes da queda. A gema misturou-se com os pães formando um bolo pré-cozido na garganta da menina. A saia ensopava enquanto que a terra absorvia o poder da água. A respiração é fugaz, violenta. Os grãos de açúcar foram guardados debaixo da terra.

Cecília senta no chão enquanto que se afoga entre as pedras e inspira vida dos que correm. No céu havia uma figura que sorrira. Ela limpa os olhos, mas a figura é fugitiva.

Sai do jardim das formigas um homem de bigodes e guarda-chuva de listras. Pega Cecília pelos cabelos. Ela não grita porque torrencialmente chove. É jogada em um local seco com um prato de maçãs cortadas. Enxugam suas lágrimas de dó. Ela é obrigada a beber um copo de água de flor de laranja.

Foi condenada bruxa. Havia sido tocada pelo mundo.



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