quinta-feira, setembro 07, 2006
A menina dos cachos
22 de outubro de 2006. A menina dos cachinhos foi encontrada vagando debaixo da passagem que leva ao Rio Sul, em Botafogo. Testemunhas relatam que o reconhecimento foi traumático. A menina está viva, mas seu estado é assustador.
Lisméia foi uma menina criada pela tia-avó. Seus pais a abandonaram em 22 de outubro de 1996. Sumiram do mapa, mas foram encontrados mudos 5 anos depois, com um cachinho na mão no sul da Indonésia.
Sua tia-avó ficara surpresa com a criança em sua porta, porque era fato que teria glaucoma no futuro. E quem entregaria uma criança a uma pessoa quase cega?
O dinheiro que a tia havia reservado para a cirurgia foi gasto no cuidar da menina. Lisméia tinha os cachos mais perfeitos que a mulher havia tocado. Muitas vezes acordava com a presença de Lisméia no quarto e os cachos já estavam prontos. Eles começaram a se formar ainda bebê e desde então eram metricamente alinhados.
As mãos da tia-avó já estavam enrugadas e a mesma enxergava em sombras. Lisméia acordava docemente todas as manhães com um espelho na mão admirando a cabeleira de cachos. Era démodé para a época, todas as pessoas riam, mas era uma felicidade interna que a tia-avó começava a estranhar.
# Lisméia, você não acha melhor cortar esses cachos? Você não é mais uma criança.
O olhar da menina petrificou a tia-avó, que mesmo sem enxergar, estremeceu.
# Tudo bem, então, Lis.
O alinhamento dos cabelos incomodava a tia. A perfeição era absurdamente estranha. À noite, depois da janta, a tia pegou escondido a tesoura afiada e se direcionou ao quarto da sobrinha-neta. A menina estava sentada, lendo um livro. Calmamente a tia apontou a tesoura para a cabeleira.
# Não, tia Leia.
A mão da senhora balançou, mas a tesoura não cortou os cabelos. Quanto mais forte ela tentava picotá-los, mais perfeitos eles ficavam. A senhora suava. Lisméia permanecia rígida. A tia desistiu e foi dormir. A menina passou a mão na capa do livro e sussurrou:
# Por favor, não. Ela quer meu bem.
O zumzum pairou no ar. Lisméia fechou os olhos. Respirou profundamente. Os cachos começaram a se transformar em figuras anelares amarelas. Desciam pelo rosto em movimentos de serpente, mas eram finos demais. A menina olhou-se no espelho. Estava careca.
Abraçou o livro enquanto que os gritos sufocados de sua tia eram evocados no quarto ao lado. Lisméia correu. Pegou a tesoura. Abriu a porta da cozinha. Desceu as escadas do décimo terceiro andar. Sentiu-se livre por 15 minutos. Leve, como um animal sem penugem, um cão que acabara de ser tosado. Caminhou lentamente enquanto que o vento batia em sua cabeça nua.
Eu posso fugir. Usar chapéu. Ser budista.
Iria para Copacabana. Pediria dinheiro. Compraria uma passagem para outro país, depois iria para o aeroporto e partiria. Portugal talvez, na África também se falava português.
Atravessou a passagem subterrânea de Botafogo com pensamentos internacionais. Congelou quando ouviu o zumzum pairar no ar. Havia uma sombra enorme de sua pessoa nas paredes da passagem.
Ela viu quando eles entraram novamente em sua cabeça. Arrastaram-se pelas paredes como minhocas famintas e encaixaram-se perfeitamente em seu couro cabeludo. Perfeitamente alinhados.
O sonho se desfez. A mão da menina fez o mesmo movimento que antes a tia avó havia realizado. Lisméia tirou a tesoura do bolso. A mão balançava. Pingava horrores. O cheiro de ameaça fez com que os cachos se prendessem mais ao couro cabeludo. Eram como grandes presilhas de rabo de cavalo. Estava sozinha. A menina perfurou seus olhos. Atacava a íris com toda a força e enquanto desmaiava de dor, seus pensamentos foram invadidos pela força da permanência dos cachos.
Ela não queria mais vê-los, mas a energia de senti-los foi mais forte.
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