sexta-feira, setembro 22, 2006
Neela
Havia uma menininha chamada Neela que acreditava muito em seu sonho. Ela o pendurava em pequenas notas de papel, fixadas por pregadores em uma corda de varal de plástico, no meio de seu quarto. Contava às vezes quando desejava que ele acontecesse rápido.
No início era novidade e todos ficaram encantados com a grandiosidade dele. Mas o tempo abraçou a gravidade e os papéis amarelaram. Neela tornou-se cética. Já não era mais uma pessoinha, mas alguém que precisava gritar no mundo seu lugar grandioso.
Gritou tanto que ficou rouca. Adquiriu uma alergia respiratória. O que ouviu foi seu eco. Andou descalça e sumiu na água.
Em casa, havia outra menininha que lia as notas envelhecidas. Tornou-se tão iluminada que teve uma idéia.
Colocou na caixa de correio todos aqueles pensamentos e os distribuiu em envelopes com selos. O menino da Irlanda do Norte transformou-os em uma primeira canção pós pop. O homem do centro histórico de Varsóvia usou como referência a suas pinturas. A senhora da cidade de Samarkand leu-os para seu neto quando passearam pelas ruínas. As mulheres de Jaipur anexaram as letras em seus saris. Uma menininha que vivia perto de um vulcão adormecido guardou-os dentro de uma caixa de fósforos para palitos grandes. Se encaixavam perfeitamente no que ela precisava. Foram guardados na galeria do templo que reúne valiosos tesouros humanos, com aplicações de mármore.
Neela se surpreenderia se os sentisse em Braille.
Há palavras privilegiadas que nos guiam e nos invertem. Há sentenças que nos regem e nos confundem. Há orações subordinadas e coordenadas por garotos que as decoram. Não é a gramática que nos atinge, não são as regras nem os prêmios que nos aclamam. São os planos dos sonhos de alguém na esquina.
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