sexta-feira, setembro 08, 2006
O guardião
Há certas coisas na vida que devemos dar um basta. Basta nas pessoas que preferem Nescau a Toddy, Pringles a Ruffles, Piraquê a Qualy, Guaraná Dolly a Antártica, chocolate branco a chocolate preto. Mas há certos indivíduos que teimam em fazer coisas simples. O basta vale para a complexidade. Esses indivíduos são chamados custódios. Aqueles que guardam, defendem ou protegem.
Custódio Silva Pintto era um operário de máquina de fotocópias. Não trabalhava para Xerox. Seu chefe dava um basta para o símbolo absoluto de fotocópia no Brasil. Para ele, somente a Delta, Nashua e Canon trariam aquele cheiro para sua loja. Cheiro de História. Seu chefe se considerava um fazedor de História.
Custódio era responsável pela organização do material fotocopiado, atendimento aos clientes e a manutenção e compra de produtos não-originais. Competitividade no mercado.
Todos os dias, antes de abrir a loja, o chefe repetia seu mantro sagrado:
# Fotocópia não é consumo; é arroz com feijão, artigo de primeira necessidade. Devo alimentar as pessoas o mais rápido possível.
Os funcionários eram obrigados a repetir as mesmas frases e a bater palmas, dando três pulinhos e rodopiando com alguns textos fotocopiados. Seu chefe se dizia responsável pela nova ordem cultural. Seu trabalho era um meio de inclusão e democratização do conhecimento. Custava só 10 centavos por página.
Custódio também se sentia responsável, mas o que mais lhe encantou foi o banheiro do estabelecimento. Ele saiu da comunidade Não consigo cagar fora de casa porque a privada de seu trabalho era mais confortável do que de sua própria casa. Ao som das máquinas de produção, ele contribuia para o adubo do mundo. Antes de todos chegarem ele idolatrava as paredes limpas de Omo Multiação. Adorava tomar banho ali. Tinha cheiro de perdição humana.
O guardião, defensor e protetor Custódio Pintto tinha uma teoria. E ninguém dava um basta nele. Segundo o funcionário, as máquinas de fotocópias ressecavam o bulbo capilar. E a verdade era que todos os funcionários tinham cabelos ressecados.
# Deve ser o ar-condicionado, disse certa vez Agostinho.
# Não, é a impureza das tintas. Nossos cabelos estão quimicamente transformados, retrucou Custódio.
Ninguém riu. Custódio era o protetor. No fundo, era uma verdade estranha.
Em prol da regeneração dos fios, Custódio estipulou horários de tratamento. Seu chefe achava aquilo uma palhaçada, mas a verdade é que a produção da loja aumentou drasticamente com a revitalização dos fios dos funcionários.
Ao meio-dia, o estabelecimento fechava e Custódio combinava Tutano de Boi com uma película extra-isolante capaz de impedir o ressecamento e deixar os cabelos super fáceis de pentear, protegendo a cor e revigorando a extensão do fio.
Depois da higienização, Custódio evacuava em paz.
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