terça-feira, setembro 12, 2006

O herói do check-in

Era um herói atípico. Camisa branca, mochila preta, óculos escuros e um bronzeado do Recreio. Nem feio nem bonito. Não sabia andar de moto e era o único que não tinha celular na cidade. Trabalhava na Gol. Check-in. Viciado em Baton Garoto, nunca foi à Petrópolis.

O único poder encontrado era sua sensibilidade auditiva. Isso trazia insônia para Maurice. Acordava altas horas da noite ouvindo choros, orações e súplicas. A única dor do mundo vinha das doenças incuráveis. Doenças da alma que corrompiam o corpo. Se houvesse paz no mundo, as pessoas desapareceriam. Não sabia do porquê do humano ser propenso à violência. Vagava pensando em soluções.

Besteira, pensou. Não sou engenheiro de produção.

Um dia, em sua folga, foi ao MAC. Atravessou a baía de barca. Havia até sistema televisivo interno.

O que move o mundo são as cifras, indagou para seu eu interior. O mercado ao redor era distribuído de forma irregular. Ambulantes disputavam a tapas trocados globalizados.

Havia salva-vidas suficientes para uma saída de emergência? Sempre tivera curiosidade de saber. Santander Banespa sorria no topo do prédio.

O problema de viver em uma nação pluralista é que União é só sinônimo de açúcar. Pessoas esbarravam em Maurice não-preocupadas com o lixo atômico ou o superaquecimento global. Todo mundo dormiu no World Jump Day.

Se estava calor, era culpa do governo. Se estava frio, era culpa do Senado. No meio do ano eleitoral, as pessoas continuavam a jogar papel no chão, a balançar a bandeira do candidato por 80 reais mensais.

Maurice tinha nos ouvidos todas as queixas existenciais. Precisa de uma noite de sono normal. 8 horas seguidas, por favor, pensou.

Foi ao otorrinolaringologista.

# Seu problema é crônico, meu jovem, disse o médico depois de guardar o cheque que seria descontado dia seguinte para pagar o cartão Leader da esposa.

# E qual a medicação?

# Sinto lhe dizer, meu jovem. Mas seu teor é incurável.

Nossa, pensou. O que é uma martelada para quem já tem os pés pregados no chão mesmo?

# Mas... disse o doutor sussurrando. Posso receitar uma tarja preta. Você deve usar no máximo uma vez por semana.

# Obrigado, disse Maurice.

Atravessou a baía de barca novamente. Santander Banespa continuava a vista, mesmo à noite.

Dentro da balsa, milhares de vozes futucavam seu cérebro. Maurice abriu a caixa comprada. O comprimido latejava em sua mão.

Uma boa noite de sono, bravejou mentalmente.

Queria salvar o mundo, sim, era verdade. Queria que o país tivesse uma tradição histórica, sim, era verdade. Queria tirar o lixo do mundo e reciclá-lo, era verdade. Queria engordar as crianças da África, sim, era verdade. Entretanto, a última imagem formada foi a de um avião da Gol sobrevoando suas pálpebras.



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