terça-feira, outubro 31, 2006
O menino que contava pingos
Dizem que há uma origem comum das línguas e dos povos e essa história nos remete a uma época onde as lembranças são fundidas a mitos.
Tempos imemoriais.
Tempo do menino que contava pingos.
Cao também gostava de desenhar nas janelas quando chovia forte. Ele imaginava uma terra inóspita do outro lado do vidro. Cao mandaria mensagens em símbolos para que os anões libertassem a princesa. Só ele saberia o segredo. Só ele saberia ler as palavras transparentes da janela.
Só ele contava pingos.
A mania começou aos 3 anos quando o pequeno filho de japoneses observou a goteira que saía do bocal da lâmpada da sala. A queda era rítmica. A partir daí sua percepção aumentou. Ele estava presente quando o pingo quase eletrocutou todos os familiares na noite de Natal. Foi graças à sua observação que o acidente foi evitado. Graças a ele também foi evitada a inundação do quarto da babá.
Os pingos eram avisos. Código Morse do além. Ou talvez uma forma de comunicação interna. Do seu eu para seu eu.
Naquela noite chuvosa seu dedo rabiscava na translucidez vitral e seus pais dormiam. Seus pais dormiam.
A luz piscou. Sentiu um arrepio na espinha. Cao repetiu o mote nordestino:
# O conto eu conto como o conto foi.
A luz falhou. 7 segundos depois uma nova respiração na janela. O vidro foi umedecido. Cao levou seu indicador à janela, mas recuou. A princesa estava sendo levada pelos anões. Cao bateu na janela, mas a chuva era forte.
Abriu a porta da casa e correu atrás de sua Alice. Suas pernas estavam fracas e sua respiração entrecortada. Os anões estavam sempre 100 metros além.
Cao começou a contar os pingos que caíam em seu braço. Os anões foram enfraquecendo. A princesa soltou-se e sumiu. Os anões petrificaram-se. Cao os pegou e os colocou no jardim.
Os pingos foram intensificados. Multiplicidade em um céu noturno.
Quando Cao acabou de ajeitar suas novas estátuas, ouviu o ranger da porta de sua casa. Olhou pelo vidro translúcido, tentou escrever mensagens, mas nada adiantou. O anão estava subindo as escadas em direção ao quarto de seus pais. Seus pais dormiam.
O anão olhou para Cao. Cao olhou para o anão.
O pequenino retirou seu gorro vermelho.
Sinal de guerra.
Cao esmurrou o vidro. Contou os pingos, mas nada aconteceu. O vidro protegia o anão.
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