terça-feira, outubro 17, 2006
Para pessoas com necessidades especiais
Como protegê-los de todo o mal do mundo?
Lia havia fechado o zíper do filho. Colocado capuz na filha. Deu um guarda-chuva da Penélope Charmosa à caçula e outro de Superman ao mais velho.
Estariam eles protegidos?
Lia tomava todo o cuidado possível com suas crias. Pediatra uma vez por mês, seguro contra incêndios em casa, natação supervisionada por um profissional doutorado em educação física. Alimentação balanceada por uma nutricionista canadense, plano de saúde em dia. Verificação capilar quinzenal. Eles só brincavam com amiguinhos da escola. Instituição com guarda-costas, piscina aquecida e chão de mármore. As crianças nunca estavam descalças. Assistiam a óperas e teatro. Cinema só em ocasiões especiais. Documentários só educativos, desenhos só sem violência.
Teriam um mundo perfeito.
Sua mãe se arriscaria por eles. Enfrentaria o trânsito por eles, ficaria doente ao invés deles, sentiria frio para aquecê-los, injetaria tóxicos em suas intravenosas para contar belas histórias.
Lia colecionava momentos. Um por um. Quando não estava a coordenar limpezas, estava a vislumbrar lembranças. Se pudesse estudaria com os frutos de seu ventre, mas os filhos precisavam de privacidade. Além disso, havia câmeras escondidas. Não tinha que se preocupar. Estavam seguros. Qualquer coisa era só dar um REW, STOP, fazer o conserto ligando para a escola e PLAY de novo.
Lia esperava os filhos acomodada no grande home theater. Acordara com vontade de celebrar o momento. Ia apresentá-los a Bambi quando sua caçula interrompeu o momento em prantos. Na mão do mais velho o guarda-chuva da Penélope estraçalhado e envergado.
O menino estava pálido. Olheiras profundas, mãos trêmulas. Lia chamou os médicos, mas nada diagnosticaram. A menina tinha pulso fraco. Deram dois dias para os dois, sem esperanças.
Lia desesperou-se. O que faria sem eles? Onde tinha falhado?
Levou as crianças para sua cama King Size. Fechou as cortinas brancas para que o Sol não incomodasse os pequeninos.
# Mamãe sempre estará aqui, crianças.
A pequena menina ainda quis soluçar, mas seu último suspiro fez a mãe baixar sua cabeça. Envolto ao pescoço de Lia um pequeno cordão com uma cruz de ouro branco. Ela olhou para seu mais velho, mas ele fraquejara também.
Estava sozinha?
De repente, uma pequena mão atinge seu pescoço. O coração da mãe pulsa intensamente.
É um milagre.
Outra mão. As crianças tentam abraçá-la. Ela enfim chora. Dos pequenos sorrisos de dente de leite uma protuberância afiada atinge a jugular da mãe.
“Deus”, pensa Lia.
Mas Ele já tinha virado à esquina.
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