sexta-feira, dezembro 15, 2006

Honras

Visão aérea de Angkor Wat pelo Google Earth. O colossal templo hindu do século XII é castigado por brisas quentes.

Olivia Velasco corre desesperadamente pela superfície. Perseguida por vozes, nos últimos minutos de sua medíocre vida humana, ela pisa no solo com unhas escurecidas.

Ontem ela viu flashes de Acrópole de Atenas, a Antigüidade caçada por historiadores que têm memórias escapatórias.

Arrepiou-se antes de ontem quando Alhambra, com seu Jardim Real, atravessou seu corpo, deixando um cheiro de óleo de oliva.

Há vinte horas passou por Capadócia e seu rei Mathias, oito andares abaixo do solo, escondido em uma cidade subterrânea e preso em uma lenda de labirintos de cavernas. É na clarabóia que a voz sussurra em seu ouvido pela primeira vez.

Desde então, a casa dos deuses da mitologia Hindu a chama.

O que são as lembranças a não ser espaços vazios de vida, aromatizados com memórias insignificantes dos momentos que criamos dentro de nosso cérebro? A arte encenada para que possamos aplaudir ou vaiar no final. Contabilidade ou poesia?

Olívia Velasco irá desaparecer porque está no centro de adoração mais amplo do mundo. Porque pisará em falso na estrutura erigida pelo rei Suryavarman II. Porque o jogo avança. Porque quem diz que o destino é sábio nunca levou uma mangada na cabeça.

O portão sul fecha. As vozes ainda a perturbam. Guias e demônios que nos acalentam vida a fora. O ser humano precisa de deuses, de lendas cíclicas, de heróis que redimem a humanidade, de folgas de fim de semana, de sorte.

Olívia Velasco quer chegar ao terraço dos Elefantes, dizem que lá podemos pedir todo a força que nos rege. Mas a erva-daninha está verde demais. Algumas vezes, elas ficam envergonhadas e se escondem, escorregadias e limosas.

Não há tremores no destino mais quente da Ásia nem honras para as pedras cinzas do templo. Longe, ecoam os murmúrios dos guias cambojanos que se dirigem aos grupos de turistas em inglês, francês, alemão, italiano, japonês, chinês e coreano. Às 5:30 o sol nasce sobre os templos e Olívia Velasco ouve a última voz que diz:

# Não peço que as pessoas acreditem em mim.

O quinteto de torres é testemunha. Olívia Velasco grita, mas o pedido não chega ao terraço dos Elefantes porque as folhas interferem no caminho de um pé que acaba por pisar em um tijolo solto.

A sofisticada grandiosidade do lugar vê o corpo cair. Dos bolsos de Olívia despencam 40 dólares. O deus Avalokiteshvara que decora o templo de Bayon sorri. A natureza cobra de volta o que o homem decide roubar.

O Google Earth é desligado.



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