quarta-feira, dezembro 06, 2006
Kaija Haila
É um lugar sagrado. No lado ocidental, há uma área de rocha vulcânica. A planície costeira eleva-se em cadeias de morros e planaltos. Um vento de monção corta os cabelos de Kaija Haila. Ela cata frutas e grãos em um chão de nascentes. Migração sazonal em longa distância.
Kaija rói as cutículas. Gosta de sentir o arrancar da pele dos dedos. Ouve-se um barulhinho fino vindo do leste. Talvez fosse o vento ou impressão adolescente. A menina pára e cata rapidamente as sementes que caem pingadas no bolso do vestido de uma cor. O barulhinho fino aumenta assim como o nervosismo de Kaija. Ela tira de dentro do outro bolso um pêndulo que marca 31 minutos.
Por que umas pessoas são escolhidas e outras não? Por que uns vencem e outros são derrotados? Por que a vida é uma via de mão dupla e os escolhidos os privilegiados? Se voltamos em outra reencarnação, r que o sofrimento é opcional? Por que Cristo, Maomé e Buda se o ser humano é puro instinto? Por que o chão treme quando Kaija Haila ouve um assobio? Por que o pêndulo marca 32 minutos e ela corre?
O bolso fora costurado com grossas linhas azuis. Um azarado fez esse trabalho antes de ser deixado de lado. Os sobreviventes são amaldiçoados pela culpa de correrem mais.
Kaija Haila sempre confiava em seu instinto, mas o barulho daquele dia fez com que ela diminuísse os passos da corrida. Do outro lado do lago uma figura formava-se. Kaija lembrou de se ajoelhar e pedir proteção pelos que se foram noite passada no templo de adobe.
Mas hoje seu coração havia esquecido de tocar o pêndulo. Do outro lado uma menina de seu tamanho acenava. Elas tinham as mesmas características físicas. Magras, cabelos lisos até o ombro, olhos mel e boca fina. Kaija olhava para a outra menina hipnotizada. Ela tinha a mesma marca na mão esquerda. Um conjunto de 5 pintas simetricamente desenhadas. Mas a imagem do outro lado era de uma branquidão da Antártida, o mais inóspito continente do globo. A imensidão branca da outra do lago brilhava em contraste com sua pele negra. A melanina de Kaija a blindava do envelhecimento enquanto que a outra menina se encurvava contra o sol que penetrava poros adentro.
Ventos de 300 km por hora. Várias tonalidades de branco. Era o antigo inverno de 6 meses, 90ºC negativos.
A menina branca gritou Haila. Kaija apertou o pêndulo. 33 minutos marcava. A menina branca viu uns pontos caírem do bolso de Kaija. O sol esquentou e ela se escondeu. Seu mundo desmoronava. O mundo de Kaija estava sendo construído novamente.
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