sexta-feira, dezembro 29, 2006
Morangos silvestres
“Quando você ama alguém, querida, mas não sabe onde encontrá-lo, procura na textura das árvores a direção indicada. No céu, para a resposta, na água para a saída. As pessoas se perpetuam porque alguém as leva. Ou você aceita isso ou sempre vai querer ir embora”.
Rachel desejava tirar de seu consciente todos os conselhos maternos. Tão mais fácil mudar de idéia e parar de procurar.
Caixão aberto, cheiro de marfim, violetas. A vida seria menos sufocante se nessas reuniões de enterro alguém levasse uma bebida de verão.
No caminho de pedras até o altar do defunto, dormideiras se encolhiam enquanto pés as tocavam. Rachel percorre o trajeto de salto, saia florida e blusa com decote em V. Chega bem perto do além morto, close de perfil. Polaroid e Canon 30D.
# Sorria enquanto pode, idiota.
Murmúrios na salinha sufocante. Luz boa, acerta o foco, zoom. Clic. A morte é um corpo biologicamente afetado.
Na casa onde Rachel viveu havia um poço. Na infância as crianças diziam que se podia prever o futuro na borda do café. Rachel viu um caixão na água translúcida do poço artesanal. Depois do vislumbre, a água se desfez e o sol se pôs em posição perfeita para uma foto diurna, sem flash.
Desde então, ela fotografa velórios e cerimônias fúnebres. Já foi capa do The Queers e foi contratada pelo Yahoo Fotos. “Veja até onde o olho pode chegar. Já que a Times celebra você, Rachel Z. celebra você depois de morto.”
O que ela procurava só sua mãe entendia. Entre um clic e outro, gritava para a sombra de seu eu que precisava relaxar um pouco, catar uns morangos silvestres, segurar um pouco a onda. Enquanto ela fotografava o defunto 25436842384, um bule apitava. A borda de café não estava suja. Mas o destino borrava suas retinas.
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