quinta-feira, janeiro 11, 2007

Beijinhos

Lena encontrara no chão de sua cozinha um diário rasgado, bem atrás do buraco da velha prateleira. Algumas páginas amareladas, um pouco de traça nas pontas. Com uma colher de Nutella na mão esquerda, abriu a primeira página com a direita.

Hoje fiquei sozinha em casa e na geladeira havia um recado da minha mãe ” P/ Regiane. Arrume a casa, varra, limpe os móveis e passe álcool nos armários da cozinha, pois estão encardidos. Tire as panelas da geladeira. Mais tarde eu te ligo. Estarei em casa às 18:00. Te amo muito, beijinhos, Mamãe”. Se não fosse um detalhe, quando tínhamos empregada aqui em casa ela deixava os mesmo tipos de recados na geladeira, substituindo “p/ Regiane”, por “p/D. Zumira” , “Te amo muito” por “tenha um bom dia de trabalho” e “beijinhos,mamãe” por “beijinhos, Sueli”.

Meu cachorro precisa cruzar! Eu quero netos!!! – pensou rapidamente.

A mãe dela é ótima
, repensou Lena. Página esporádica, metade do diário:

Ontem o Digo me enviou um e-mail dizendo que estava triste por um sonho que ele teve, como boa namorada que sou procurei saber o que era.

Hahahahaahah, gargalhou Lena, quase se engasgando com a delícia da Nutella.
Uma virgem!

Virgens no século XX eram como pedaços de doce de leite no Nutella, impossíveis de se encontrar. Mas o subúrbio daquele século ainda tinha um ranço de tradição puritana. As crianças não eram incentivadas a ler e sim a decorar os episódios de novela.

Sei que não sou uma expert em interpretação de sonhos (e nem preciso ser pra dizer) mas creio que ele só sonhou com isso por medo mesmo de me perder. Só o que pude responder pra ele foi: “É mais fácil você encontrar uma nota de vinte no chão do que eu ficar com outro cara.”

Lena pensou em uma nota de 20. Hum... coincidências, pensou. A última vez que vira uma nota de 20 foi quando ganhou de seu pai seu primeiro pote de Nutella. Foi para página 122.


Já usei aliança de compromisso, agora só uso uma aliança se for de noivado ou casamento.

Dèja vu. Ela estava em uma posição mágica.

# Não, gritou. Não posso parar nesse século atrasado. Eles vão explodir o mundo com crianças! Essa garota vai ser uma arrombada! Não, esse Digo vai ser um inválido. E essa mãe! Essa mãe não vai acreditar que ela é minha salvação! Por favor, mais uma chance! Aliança? Por Nutella! Não.

Havia um livro oriental chamado Corão que instigava o corte do membro quando algo era roubado. Naquele século, quando um roubo acontecia o indivíduo era condenado a permanecer em um período odioso, isento de Nutella, revivendo histórias que abominava.

# Por favor!! Esse século não!

Como resposta, seu pote de Nutella caiu no chão. Desesperada, Lena lambeu o conteúdo todo, machucando sua língua com pequenos pedaços de vidro. Quando a menina levantou os olhos, na porta da geladeira encontrou:

P/ Lena. Arrume a casa, varra, limpe os móveis e passe álcool nos armários da cozinha, pois estão encardidos. Tire as panelas da geladeira. Mais tarde eu te ligo. Estarei em casa às 18:00. Te amo muito, beijinhos, Mamãe”.



Link esse texto // 1 Comentários





julho 2006
agosto 2006
setembro 2006
outubro 2006
novembro 2006
dezembro 2006
janeiro 2007
fevereiro 2007
março 2007
abril 2007
maio 2007
junho 2007
julho 2007
agosto 2007
setembro 2007
outubro 2007
novembro 2007
dezembro 2007
janeiro 2008
fevereiro 2008
março 2008
abril 2008
maio 2008
junho 2008
julho 2008
agosto 2008
setembro 2008
outubro 2008
novembro 2008
dezembro 2008
janeiro 2009
fevereiro 2009
março 2009
abril 2009
maio 2009
junho 2009
julho 2009
agosto 2009
setembro 2009
outubro 2009
novembro 2009
dezembro 2009
janeiro 2010
fevereiro 2010
março 2010
abril 2010
maio 2010
junho 2010
julho 2010
agosto 2010
setembro 2010
outubro 2010



Supercaliflagili...
Stuff no one told me
Post Secret
Mesa de Bar
Sentido Absurdo
O Diário Aberto de R.
Pigs in Maputo
Ventos Verdes
Sabedoria de Improviso
Páprica Doce
Escuridão