quarta-feira, julho 25, 2007
Os cronômetros
Gabriel sentia a dor de 200 corpos sem almas. O menino de 5 anos, olhos vidrados na explosão que tremeu os vidros do aeroporto onde esperava os pais, queria entender porque as pessoas morriam em massa.
Se há almas no mundo, por que elas escolhem morrer juntas? Por que morrer unido com quem não se conhece? Por que morrer perto de alguém que há cinco minutos atrás você nem lembra o rosto?
Há 3 segundos atrás o avião se partira em dois e o menino teve a impressão de ver uma alminha voando. Ou caindo. Ou planando. Talvez fosse uma faísca. Uma caixa preta despencando, um pedaço de roupa branca em chamas.
Ele não sabia. Um dia, seu pai disse, ao abrir a página de um jornal internacional:
# Um bebê na Ásia é o único sobrevivente de um acidente de avião. Puta sorte, perdeu só um braço. Deus protege as crianças.
Gabriel pensou em um Deus tipo super-herói moderno, daqueles que não usam capa e sim gadgets para voar, segurando o braço de um bebê-menino. Talvez porque Deus fosse forte demais o braço de bebê fora arrancado.
# É porque ele não bateu com a cabeça, sua mãe dissera.
E o homem que estava pulando agora de cabeça, de um prédio que pegava fogo?, pensara Gabriel. Será que ele não sabia que Deus só salvava bebês porque eles eram leves?
Gabriel tirou a testa do vidro. O coração que ele havia desenhado na superfície e que a chuva conservara por teimosia fora derretido pelo vapor da explosão.
Muitos brilhinhos no céu.
Quentes demais, pensara Gabriel.
Os vidros estalaram e as pessoas gritaram. O desespero humano choca multidões por uma semana, até que alguém faz uma piadinha e muda-se de foco. Tragédias também são feitas de cronômetros.
# Mas o que é o destino, papai? - perguntara Gabriel aos 4 anos.
# É quando você está no lugar onde deveria estar, bom ou ruim.
Gabriel lembrou do brinquinho de borboleta de sua mãe. Tentou desenhá-lo no vidro do aeroporto, mas queimou o dedinho.
Chorou.
Há 6 horas esperava por seu papai e sua mamãe.
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