terça-feira, julho 03, 2007

Os IPS de nosso mundo são testemunhas oculares

O maniqueísmo rondava a sala. Persistente, agarrava os humanos pela goela e os imprensava como grandes óculos em um rolo compressor. Ele os espreitava como se a existência humana estivesse à beira da crise dos 50, como se o meio século fosse falir a cada click globalizado.

Luiz Cláudio Yamane trabalhava em uma padaria. Na sexta-feira do dia 03, um siamês vesgo apareceu por lá. Apaixonante, todos queriam levá-lo para casa. Mas o gato só se escondia atrás das pernas compridas de Yamane. Miava como um Gato de Botas perdido na imensidão solitária do planeta Terra.

Foi levado para casa. Dizem que o verdadeiro gato siamês é caolho, caolho mesmo. Luiz Cláudio o chamou de K. Quando o gato entrou na kitinete do comerciante, foi logo se enroscando na pia do banheiro, miando para a janela do quarto-sala e acomodando-se nos pés do dono, no cheiro úmido do vazamento abaixo do colchão.

Luiz Cláudio conectou-se. Abriu seu Orkut, seu MSN, seu Y. internacional. O gato ronronava.

“Conexão discada é uma merda”, seu cérebro processava. “Mais horas extras poderiam render um Velox 512.”

O gato ronronava. Luiz Cláudio pensou que o bichano estava com fome e trouxe um copo de leite. Quando a página de maior site de relacionamentos se abriu e ele percebeu que no meio de sua solidão um recadinho alguém tinha deixado, o gato se mexeu.

Gabriela tinha respondido sua pergunta.

SIM. QUERO. ONDE?

Yamane deu um responder: AQUI, HOJE, QUANDO VOCÊ QUISER.

A página demorava a carregar. O gato meteu o focinho no copo de leite.

Luiz Cláudio digitava apressadamente seu endereço. Quando um enter foi acionado e a página enviara a mensagem com sucesso, K, o gato caolho derrubou o líquido pasteurizado sobre o computador.

O instinto humano também tem altos índices de burrice. Talvez tenha sido o cheiro do pão que Luiz Cláudio estava acostumado a sentir no trabalho onde envelhecia. Ou talvez tenha sido a química que se colocava para os pães se multiplicarem.

Yamane, descalço, ao tentar secar a máquina com pedaço de sua camisa, levou um choque, bateu com a cabeça sobre o gato que assustado pulou e se escondeu atrás da geladeira, morrendo eletrocutado.

Yamane, caído no chão, via os IPS do planeta passarem sobre sua visão e com eles o maniqueísmo dos seres humanos. Entre todos, só Gabriela sorria.

Ela o encontraria duas horas mais tarde, ainda deitado, com um único parafuso sangrento no ouvido esquerdo. Ele havia tirado a peça de dentro da máquina para instalar seu novo gravador de DVD.



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