segunda-feira, julho 09, 2007
Palavras brasileiras
Ela teria uma filha chamada Cecília, responsável pelo controle das palavras. As palavras não seriam ditas gratuitamente, as pessoas teriam que pagar um preço para pronunciá-las.
Cecília colheria os frutos das palavras de uma grande árvore de flores brancas com pintinhas amarelas e usaria tinta a laser para a impressão. O corpo humano seria uma grande capa ilustrada. Cada sílaba seria uma prece protetora, um manto que cobria o corpo de todo o mal possível.
Haveria letras e desenhos, do ocidente e do oriente e a tonicidade seria instigada.
As palavras seriam mágicas. Cecília seria responsável pela junção das frases e pelas encomendas de remessas Sedex para os povos que soubessem decifrar a beleza das pronúncias.
Ela teria orgulho da filha porque em seu tempo as palavras eram ditas porcamente. Porque em seu tempo, povos inteiros eram massacrados por líderes que usavam as palavras como formas de manifesto e opressão. Civilizações inteiras, consideradas pós-modernas, cuspiam nas palavras. Ofendiam, ridicularizavam, transformavam magias em propaganda paga para deixar os homens mais pequenos e egoístas.
Aí o mundo acabou.
E ela ficou imaginando, debaixo da terra, como seria importante ter Cecília logo. Mas ela não era hermafrodita nem saberia gerar seres de luz sem pai.
Ela disse uma palavra bem baixinho e a guardou na linha da palma da mão. Depois cerrou os punhos e piscou com olhos ardendo de areia.
Venha, ela pensou. Onde quer que esteja.
Do outro lado do mundo, o futuro pai estava sendo enterrado.
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