quarta-feira, agosto 29, 2007
O fotógrafo de Truman
Matheus Sobrinho procurava a todo custo preencher seus dias com piadinhas de jornal e recadinhos no Orkut. Ele acordava sempre às 7h05min, ligava a televisão para que o quarto não ficasse em total silêncio e dava bom dia para a apresentadora da Band.
Depois sentava na cama e olhava para a parede. Ela era uma grande tela de cinema e ele o eterno Jim Carrey em O show de Truman. Quantas vezes ele não se perguntou o que levava sua vida a ser controlada. Como o vazio de não decidir o angustiava. Ele não lutava, mas ouvia diariamente “Devemos lutar contra o poder”. Mas o que era o poder? Não podíamos ir e vir nos lugares se soubéssemos nos comportar? Não podíamos criar um blog e falar mal de tal X ou tal Z? Não poderíamos achar um velho amigo em qualquer rede de relacionamentos e dizer “Oi, quanto tempo. Lembra de mim? Claro que me lembro de você.” Mais um amigo, mais um laço do passado retomado. Mais um número de relações. Vão te dar parabéns no seu aniversário. Vão futucar suas fotos e roubar toda energia.
Matheus Sobrinho tirava fotos de coisas. De seu prato com pedaços de feijão amassado, do velhinho jogando a bengala na frente de um adolescente para passar, do metrô lotado e as pessoas se sufocando lentamente, do motorista que arranca um dedinho de alguém que atravessa na frente do ônibus, da comissão do Lula na Dinamarca. (Ninguém falava inglês)
Todas as coisas do mundo incomodavam. Talvez fosse mais importante sugar a alma das pessoas pelos retratos. Talvez fosse mais importante continuar a ter a vida desocupada. Talvez fosse mais sábio colocar mais um rolo para que a tela captasse como ele, Matheus Sobrinho, não sabia caminhar por outra estrada.
Ele tentou fazer yoga para entender a imensidão da palavra ohm, para se conhecer, para se concentrar. O que conseguiu foi um free para cobrir um grande evento de um faquir siberiano.
“Suas fotos são belas”. “Você é um artista” “Que momento singular” “Você realmente viu isso e não fez nada?”
Matheus Sobrinho nunca fazia nada. Por ter a alma esvaziada, por não saber se livrar do sistema hierárquico, de sua mente controladora, de sua prisão corpórea, ele tirava fotos. Clicar era como dar um pause em sua vida, como espiar pela fresta de um portão com grades.
Ver a verdade é perigoso, vira anestesia. Matheus Sobrinho tomava seu café da manhã na cama, em meio a câmeras e batatas Ruffles gigantes. Ele acha que a partir de amanhã tomará uma decisão e mudará de vida. Ao invés disso, ele mudará de posição. Em vez de cumprimentar a apresentadora da Band, ele agora cumprimentará o jornal da Record.
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