terça-feira, agosto 14, 2007
O guardador de segundos
# O Léo tava doente hoje – disse Luisinha ao chegar em casa para mãe.
Mas o Leonardo não estava doente. Ele passou a manhã a colher gravetos. A tirar do chão pedacinhos de madeira que insistiam em cair, jogados e esquecidos, como ele se sentia naquela tarde de outono.
Se as folhas caem e os gravetos são pisoteados, será minha missão resgatá-los do esquecimento, pensava ele.
Às vezes quando ele se sentia cansado de ver o mundo e as pessoas que andavam de lá para cá, ele catava gravetos. Guardava-os debaixo da cama, enrolados em uma fita branca, dentro de uma fronha puída que cheirava a sabão em pó Minerva.
Ele sentia isso porque às vezes o céu ficava azul demais, bonito de se enxergar da varanda do seu prédio. Ele sentia isso porque os edifícios faziam sombras geladinhas, permitindo a ventos teimosos assobiarem, assustando Luisinhas magrelinhas de chiquinhas. Ele sentia isso porque tinha medo de crescer.
Medo de perder o tempo. O tempo que seus pais não tinham. O tempo que seu avô matava jogando buraco. Tempo de comer, tempo de dormir, horas que rodopiavam e que ele tentava a todo custo preservar, guardadas dentro de um tecido velho de algodão.
Seus gravetos. Seus segundos. Ondulações nas madeiras eram caminhos guardados. Leonardo às vezes ficava sentado, acariciando os gravetos. Uns eram finos, outros meio rechonchudos. Ele tirava espinho por espinho e ficava triste quando um graveto se descascava.
O descasque é minha vida crescendo, pensava ele.
Aí ele enterrava o graveto desnudo e com as mãos sujas dava tchau para o céu.
Um dia vou voar, pensava ele.
Os outonos passaram, os gravetos foram reciclados. Leonardo virou instrutor de vôo na Pedra Bonita. Ele ainda pensa em guardar os segundos.
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