quinta-feira, agosto 09, 2007

O pirata de Tinguá

O pai dela tinha um ônibus pirata. Todos os dias, ele manobrava às 22h40min para entrar no quintal em um pedaço esquecido de Tinguá.

Ela gostava do cheiro do pneu na terra batida. Do volante gigante. Do pai suado ao ligar e desligar os faróis. E principalmente dos degraus do ônibus.

Era uma mansão para ela. A menina levava as bonecas para passear na Orla da Barra, imaginando que pela janela do pirata um vento do mar azul balançava os cabelos das bonecas.

Ela tateava os bancos do pirata todas as noites, desbravando roteiros inexplorados. Podia sentir pela mão como as pessoas ficavam assustadas ao andarem no pirata pela primeira vez, ou como elas se sentiam confortáveis no banco fofo, ou como reclamavam de serem empurradas no aglomerado de vultos.

Seu pai sempre usava uma camiseta clara. O ônibus tinha cortinas vermelhas. Ela sempre arregalava os olhos quando ele contava que tinha que apagar as luzes e se tornar invisível quando passava perto do quartel.

Invisibilidade era palavra-chave bem conhecida. Mesmo sendo filha de um pai pirata, a menina ainda não sabia muito bem como se portar e se calar.

Quando a milícia invadiu a casa e perguntou pelo pai, a menina deu de ombros. Filhos de piratas são propensos a irritar delegados. Filhas de piratas ainda não aprenderam o maior segredo do mundo.

Quando o pai chegou em casa e manobrou o veículo às 22h40min para entrar no quintal em um pedaço esquecido de Tinguá, a menina estava esquecida em um cantinho da casa, tinha os cabelos arrancados pelo homem que se dizia lei. Suas bonecas estavam jogadas, perto da prancha de cabelo da mãe, que tremia e tentava a todo custo acordar a menina.

O pirata havia chegado, mas a menina não estava mais lá.



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