quinta-feira, setembro 13, 2007

Farinha + açúcar + leite

Nilza Soares fazia bolinhos de chuva. A catédrica pessoa gostava de ir para cozinha, untar a frigideira com óleo Carrefour e passá-los no açúcar com canela sempre ao meio-dia.

No meio do dia, ela observava pela persiana de seu apartamento classe média baixa o movimento dos almoços dos outros apartamentos. Cheiro de quentinhas, batatas-fritas, peixe cozido, bobó de camarão. Nilza reconhecia cada sabor pelo cheiro.

Todos eles cheiravam a uma falsa democracia. Todos eles cheiravam a um falso governo representativo. Todos eles tinham estabelecido almoçar perto da televisão.

Nilza Soares se perguntava o que aconteceria com a nação se ela ficasse privada de poder intelectual. Seus vizinhos não eram selvagens, não mesmo. Eram escravos. 1 hora, no máximo 1 hora e meia para comer carboidratos, proteínas e vitamina B12. Meia hora, no máximo 15 minutos para limpeza bucal, pratal e manual.

Comunismo, socialismo, lulismo.
Os interesses coletivos do povo.
As farturas na mesa dos cidadãos.

Nilza Soares comia bolinhos de chuva passados no açúcar com canela ao meio-dia. Ela queria afastar ou ignorar seu pensamento, mas não conseguia. Ela era déspota, não havia dúvida. Havia aprendido naturalmente a oratória, era representante de uma cidade emergente cujo lema era melhoramento e ordem. Ela sabia controlar simpatias gerais.

No auge de seus 20 anos de carreira e de suas falsas ideologias, ela sempre comia bolinhos de chuva. Via espíritos experientes e exercitados almoçando arroz com purê de inhame. Via criancinhas lambuzando os dentes com cascas de feijão. Nilza não, seu sangue era feito de canela.

Nilza Soares observava seu último bolinho de chuva, encharcado de óleo sobre o papel toalha azul. Observou atentamente farinha, açúcar e leite se desmancharem com o calor da cozinha. A representante amassou o bolinho com os dedos políticos, empregados há anos com ponderação. Sobre a pele somente a gordura, o grudar do açúcar nas membranas.

Depois tirou os sapatos, deitou no sofá e ligou a televisão. Somente lambeu os dedos.



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