segunda-feira, janeiro 14, 2008

Os fios da Oi

Ele tinha as pernas cortadas. Cortadas com diamantes. Andava por um carrinho de rolimã a mostrar os dentes e coçar a orelha esquerda. Um fiapo de carne. Havia sido cortada por uma linha de pipa com cerol. As pernas era outra história. História de gângster de subúrbio, com a crueldade de facão. Mas com estilo tarantinesco.

Um dia desses tava trabalhando em um poste. Consertando os fios da Oi. Aí vi ele passar, flutuava em uma Ceci Poti, dropava se fosse surfista. Durou 1 segundo e meio para ver a carne se dilacerar e ficar pendurada. Larguei a escada e fui a seu socorro. Gelei de emoção. A pele tem cores diferentes. A carne é de uma tonalidade desigual. Sangue é como mar em dia de verão. Ele levou pontos e eu fiquei com a deliciosa imagem a futucar minha mente. Se eu pegasse um facão e cortasse simetricamente a carne, como a superfície de um diamante, ela traria novamente à tona a vivacidade das cores?

Deixei ele no portão de casa. As pequenas pernas torneadas não agüentaram subir à bicicleta. Eu enrolei o fio, botei a escada em cima do carro e ele veio se despedir. Trouxe um copo de requeijão do Vasco, com água fresca. Ela desceu pela garganta refrescando minha memória a visualização da carne das coxas dele. Lembrei que Hildoberto vendia falsos diamantes, que cortavam como navalhas. Perguntei se a orelha doía. Ele disse que não, só latejava. Perguntou se eu tinha dois reais para comprar uma Coquinha que na verdade não era Coca e sim Dolly Guaraná. Penalizado eu emprestei o dinheiro. Vi ele se afastar dizendo que a pior parte era saber que sangue não tinha cheiro. Ele não sentia. Eu fechei a porta do carro e liguei a ignição. Mas eu sentia. Além do cheiro do sangue a rodear minha memória, a cor explodia em minha retina. Meses depois dei de presente para ele um carrinho de rolimã. Ele já tinha pernas cortadas.



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