domingo, fevereiro 10, 2008

O homem expatriado

Ele era um especialista expatriado com inglês fluente. Tinha 3 anos de experiência como sênior de expatriado, com conhecimentos de imigração, diversos assuntos de vistos e assuntos fiscais. Trabalhava em uma multinacional de grande porte do ramo de óleo/gás. Era fã de Nicole Kidman e comprou o novo cd do Radiohead, In Rainbows, dois dias antes do acontecido.

Ele se viciava fácil. Era o tipo de vício do século XXI: o vício do enjôo. Do tédio camuflado em estar atento às novidades. A única coisa que ainda permanecia em seu gosto era sua apreciação por música depressiva. Por mais que a tecnologia tivesse trago alegres experiências, os seres humanos ainda tentavam preencher um saudosismo existencial.

E ele passava algumas horas sentindo a dor de não ser completo. Imaginava as vidas imigrantes como grandes filmes do YouTube. Poderia anexá-las em sua parte de vídeo do Orkut, podia compartilhá-las via MSN com alguém de Singapura. Mas ele nunca fazia isso no plano real, só sacolejava os dedos da mão fina. Sua mente era uma batida de teclado eletrônico, sempre pronto para acrescentar um vocal melancólico.

Mas ele era normal para os padrões sociais. Não fumava, bebia socialmente e trepava de 15 em 15 dias. Dava bom dia para os colegas de trabalho, brincava de amigo oculto, participava das festas de aniversário. Quando o encontraram, seu MP4 tocava All I need, arranhado na frase I’m in the middle of your picture. Em sua mão, pequenos cortes feitos com tesoura de unha, aquelas portáteis. Na outra, uma maleta com todas as fotos digitais de quando era pequeno. Ele era um ex-gordo. Nos pés, fotocópias de bilhetes de entrada de cinema e um papel escaneado com uma letra de música. Seus olhos estavam fixos na imagem do espelho. Ele não gritava, nem cheirava a nada. Mas todos ouviram o som da morte envolta a seu corpo. Alguns ainda chegaram a ver quando ele levantou sua mão e tocou seu rosto avermelhado. Outros viram que suas pernas se dobraram como sinal de reverência.

Então o som da dor explodiu em mil pedacinhos. Todo o departamento levou suas mãos ao ouvido. Tentaram esquecer o barulho, mas ele chegou como alfinete em todos os tímpanos. O especialista expatriado com inglês fluente morria grudado em sua própria imagem, com post-its pendurados em seu bolso esquerdo. Era o último romântico da era.



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