sábado, abril 05, 2008

Formigas Ruivas

Sentou-se na escada de chão vermelho. A menina que usava saias abraçou os joelhos. Escorriam por suas pernas formigas ruivas. Não chicoteavam, nem dançavam, mas estavam magnetizadas pelos pêlos humanos.

Chegue mais perto – ela sussurrou. Se aqueça nessa casa de porta azul, a manhã já se foi, mas ainda temos chimarrão. Como assim era proibido colecionar envelopes transparentes?

A barra da saia dela estava desfiada, arranhada com pozinho de inocência. Chegara pelo correio, órgão quase extinto, que ela havia burlado a Lei do Incolor.

A Lei do Incolor fora decretada contra pessoas que possuíam o desejo de ouvir o silêncio, de escrever cartas cristalinas, de mandar emails límpidos. O mundo todo tinha cores, estar transparente era uma ofensa.

A Lei do Incolor a obrigou pintar suas correspondências. Colorir, encher de azul, misturar o amarelo, sujar-se de branco. Tintas foram usadas e reusadas. Seus dedos foram mergulhados em um grande latão. Quando a Lei se foi, ela voltou a sentar na escada de chão vermelho. Escorriam por suas pernas formigas ruivas.

Chegue mais perto – ela pensou. As formigas não chicoteavam nem dançavam. Estavam magnetizadas. A menina que usava saias botou a língua para fora da boca. Um minúsculo envelope transparente, umedecido pela saliva fora retirado do interior bucal pelas formigas. Ela não mais tocaria na transparência, mas poderia ver ao longe a diafaneidade ser enterrada.



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