terça-feira, abril 15, 2008
A pele que tinha o fogo do juízo final
Ela estava longe do conceito ‘a visão acarreta o saber’. Para ela, a sensação acarretava a certeza do momento. Muitas vezes o deleite era angustiante porque poderia acontecer em qualquer lugar.
Chovia. Abril. Sentou-se perto da janela. Ônibus com motorista trocador. Vidro rabiscado por sujeira. O sono a sacudia, olhos ardiam quando cílios se movimentavam. Dobrou a retina. Então o braço sentou-se. Estava coberto por uma camisa branca social, fina, com pouco poliéster. A pele gritou. Os pêlos entraram em vigilância. O braço dele encostou-se no dela. Automaticamente os poros se abriram, a química pousou na forma invisível que estava dentro dos corpos. Permaneceram na potência ímã, acalentados pela linha tênue de não se conhecerem.
Ela fechou os olhos. Mistura de choque químico, ligações de pele e sono. A viagem durou 20 minutos em caldo quântico. O braço dele a sentiu por dentro. Proteção, paz e desejo de furar a alma, mesmo o mundo sujo lá fora. O ônibus sacolejava. Às vezes os braços se separavam. O vazio dos segundos dilatavam a energia pulsante. Me toque, ela pensava. Me deixe sentir. Às vezes braço, antebraço, cruzamento invisível. Ela o experimentou. Um momento.
Quando o ônibus parou e eles se separaram, carregavam no rosto o desejo de um pouco mais e um sorriso implícito. Ela passaria o resto da existência reconstruindo a memória do passado. Quando atravessou o sinal na faixa de pedestres observou pelo canto do olho o braço desaparecer. Gotículas de H2O fora do céu. Ela olhou para seu pulso. Tinha uma marca. Suas veias pulsavam verde-água. Ela enfim tinha aceitado o momento. Depois sentou no banco e foi contar suas moedinhas, precisava de 25 centavos para comprar um doce de leite.
Link esse texto //
13 Comentários
|
|