domingo, agosto 03, 2008
Picadas
Ele correu. Pude ver do alto a grossura dos fios de cabelos esvoaçantes. Quando batia os pés no chão, a poeira invisível do asfalto subia em direção ao nariz. Invadia como fumaça. Lentamente asfixiante. Picando como batidinhas no nervo séptico.
Suas unhas latejavam. Estavam com cutículas grossas e sujeirinhas na sola do pé. Corria de chinelos. Subiam e desciam como se fizessem parte da pele. Talvez os produtos fossem parte da cútis. Como se adaptassem a anatomia para que melhor sugassem as partículas que o definiam humano. Talvez os produtos que vestia fossem ímãs. O papel imantado nada mais do que uma película de localização.
Mas ao correr, ele se despia. Jogava as roupas como papel picado. Porém as pernas não paravam. Os joelhos dobravam um pouco mais quando cada peça caía. Mas ele corria. Desesperadamente como em um ritmo programado. Não suava. Não tremia. A única coisa que o denunciava era a veia que anelava na testa. Ela pulsava com um quê de adrenalina que o apavorava. Passou por uma esquina onde uma farmácia fechada fazia promoção de laxantes com um pequeno número de malabaristas que cuspiam fogo. Ao desviar o olhar e o foco fugir de sua visão de campo, seus joelhos se embaralharam. Foi acertado. Ao deparar-se com a porta do estabelecimento que se fechava, viu o fogo subir e descer. Não o atingiu, mas a dor fechou seus poros. Por mais que ele fugisse, ela o pinicava. Agora era tarde, malabaristas cuspiam fogo e ele tinha o coração quebrado.
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