quarta-feira, outubro 08, 2008

Au passant

As coisas desdobravam-se como em camadas de gordura humana. Como rastro de lesma. Miguel debruçou-se sobre o parapeito do táxi na cidade mais fedentina. Viu passar uma criança chinesa de pijama que brincava em cima de um balcão de pastelaria. Estava cansado de ouvir falar de trabalhismo.

O taxímetro rodava como gotas de suor em exercícios de academia. As marcas, os adesivos, as campanhas. Todo o cognitismo au passant. O sinal fechou. Jujubas e amendoins foram postos em retrovisores. Exercitou suas íris olhando para o lado.

Apaixonou-se por um gigante Trident melancia shake que balançava em frente à barraca de doces.

Protege os dentes. + sabor por + tempo. Sem açúcar.
100 açúcar.

Abriu a porta do táxi. Tocaram seus pés o chão. Chão de papéis de bala, guimbas e pegadas pré-individuais. Ouvira ao longe um resmungo do motorista. Estava cego, desnorteado, consumista.

Acariciou o objeto de plástico. Cores tropicais. Brasilidade. Abriu a boca e agarrou-se, lambendo o gigante Trident. O motorista buzinou. Com o gosto de poeira, mostrou sua língua para o motorista,

# É verdade? – perguntou.
# O quê? – o motorista respondeu com outra pergunta.

Miguel apontou para a língua. O motorista mandou chegar mais perto.


# Parece que sim – ele respondeu - Se me pagar, posso comprovar.

Com a língua exposta, saliva acumulada, Miguel tirou uma nota do bolso da calça jeans e a entregou ao homem. O taxista puxou a língua de Miguel, passou o indicador no órgão e chupou seu próprio dedo.

# Sim, é verdade.

Miguel sorriu. Voltou para o Trident que balançava calmamente na brisa tropical e o puxou. Correu até o carro e mandou acelerar. Enquanto o veículo sacudia e Miguel abraçava seu Trident de plástico, seus pensamentos agradeciam ao infinito por viver na sociedade da informação.

Sim, ácaros eram doces.



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