domingo, novembro 08, 2009

Os defixadores

Gibran, Suy, Naui e Pacha corriam soltos pelas ruas de Maputo. Todos conheciam a senhora Yris Wan. Todos imploravam por canetas no aereporto local. Pacha era a mais fervorosa.

Eles eram uma família de contadores. E contadores na África tinham certas vantagens. Em dias santos, por exemplo, podiam inventar. Inventavam governos, anedotas, números. Mas o que Pacha adorava era inventar decalques de pele humana. Eles vinham em papel de pão, com barbantes crus e destinados a pessoas que não podiam se fixar. Havia naquela época, em toda parte do mundo, indivíduos que não podiam fixar em nada. Era como se fossem pólos não opostos de ímãs. Para essas pessoas, os decalques eram bem úteis.

Pacha adorava ver aquela aversão. Os corpos muitas vezes eram jogados para longe, caso tentassem se fixar, segurar. O toque mais longo já registrado durara dois segundos. Todavia, seu dono fora arremessado para tão distante que dizem que até hoje ainda se ouve o eco além mar. Os defixadores, como eram denominados, sonhavam. Sonhavam com abraços, luta corpo a corpo, sexo, comida com as mãos.

Pacha embrulhou cuidadosamente seu pacote. Era um decalque extra grande. Trazia um tipo de pele seca, mas muito bem hidratada com óleos e essências. Talvez durasse mais que dois segundos. Talvez não. Ela precisava de uma caneta. Enquanto seus irmãos abordavam turistas e estrangeiros, Pacha deu a volta pelo aeroporto com o embrulho debaixo do braço e roubou uma caneta de um guarda distraído. Se fosse pega, a senhora Yris Wan teria que levar a menina para o Machu Piccu e consequentemente nunca mais pisaria em terras do continente africano. Ela presenteara Pacha com uma raquete que matava mosquitos, então a menina não queria que isso acontecesse.

A pequena contadora escondeu seu objeto de escrita entre as pernas e correu. Às vezes, pinicava. Encontrou um defixador cabisbaixo logo atrás do mercado que vendia um tipo de carne não identificável. Ele a olhou com grandes olhos negros e brilhantes. Ela sorriu. Retirou de suas axilas suadas o pacote com sua marca de transpiração.

# O seu sonho, ela disse.

Ele pegou o embrulho, trêmulo. Rasgou o papel e arrebentou o barbante ligeiramente. O decalque adentrou em sua constituição física e ele ficou ali, tocando o resto de carne que o vendedor anteriormente jogara para os cães. Pacha retirou a caneta do meio das pernas e desenhou seu nariz na palma da mão.

Contou 5. 6. 7 segundos. O homem ascendeu como um foguete americano. Ninguém sabe se explodiu ou se continua a subir. Pacha tem certeza. Como diria Sandman, ‘Sonhos moldam o mundo.’



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