terça-feira, maio 18, 2010
ARE MI
Havia flores e havia menta. E havia a lua pequena e transparente do pedaço dali. Da parte dos botões, das falas. Do livro de ouro da mitologia.
Havia folhas e havia sal. O branco dos grãos e a pequena lua transparente do pedaço dali. Da parte do diminutivo do astro. Da superfície que havia quebrado os ossos. Do engolir para dentro.
Alguém havia enxergado uma perna caída perto de uma duna. Fazia tempos que a carne estava exposta, mas não havia bichos. O membro estava congelado, cristalizado. Mumificado por tatuís.
Um pai a denominou Are e uma mãe a batizou de Mi. Ninguém liga para seu nome porque ela senta todos os dias perto do canal e ordena conchas da menor para maior com uma capa de invisibilidade. E a capa exposta é feita de algodão e bolinhas amarelas. Ninguém a vê porque ela simplesmente não quer. E o querer nesse tempo é a arma mais potente de seres e não-seres.
Não foi ela que encontrou a perna nem foi ela que gritou. Mas ela havia testemunhado também. No tempo onde havia caules e havia areia. Da parte das versões inacreditáveis. Da força do pensamento.
Os dedos da perna estalavam por vontade própria. O calcanhar. A parte superior do peito do pé. Os tatuís escondiam-se.
O pai que a denominou Are e a mãe que a chamava de Mi não sabiam, mas ela foi até lá e olhou para o membro caído. Havia raízes e havia menta. E havia a lua pequena e transparente do pedaço dali. Da parte onde seus cabelos faziam cócegas na orelha, no queixo. No calcanhar do órgão derrubado.
Naquele tempo, as pessoas bocejavam com boca fechada. Riam com sorrisos fechados e contentavam-se com dias longos. Quando os tatuís voltaram e começaram a subir pela batata da perna, ela viu que o corpo seria condenado caso ficasse ou desaparecesse. Não havia mais flexibilidade nem coerência. Os estalos eram desorganizados e esporádicos. Ela queria muito mais do que ver. Ela queria tocar. Mas não podia porque os tatuís já levavam o membro para outro monte.
Não foi ela que encontrou a perna nem foi ela que gritou. Mas ela havia testemunhado também. No tempo onde havia capas de invisibilidade e frios no estômago. Picadinhas na pele e unhas limpas por aveias.
E ainda por algumas vezes, alguém acha que a vê ordenando conchas da maior para a menor. É que quando faz muito calor, ela tira só o capuz e deixa aparecer somente o cabelo e a cabeça. Faz cócegas.
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