domingo, maio 23, 2010

Canto para Oxalá

Em um dia claro do ano de 2022, Carina descobriria um buraco no meio do varal da cortina de sua janela. Seria um buraco puído, com cheiro de madeira molhada e com cor de pente envelhecido. De dentro do buraco ela retiraria um fiapo de linha e dessa linha ela ouviria um sininho batendo do outro lado.

Uma. Duas vezes. Como se marcasse o tempo. Ela tentaria puxar com mais força, mas a intensidade continuaria a mesma. Uma. Duas vezes. Como se marcasse a vida.

Carina colocaria primeiro o olho esquerdo e não veria nada. Depois colocaria o direito e notaria um pequeno risco a correr. Em um dia claro do ano de 2022, ela teria o primeiro vislumbre de como seria estar dentro das coisas. O sentido opaco. O eco pleonástico. As batidas que viajariam por entre seus pulmões, deixando-a tensa. Ainda com a cortina na mão, ela puxaria o fio com mais força, querendo para si todo o cursor de dentro. Quase arrebentaria, quase cairia, quase teria esquecido. Mas o vento das mesmas coisas que ela desejava assoprou em sentido contrário e ela, tonta, desceu aflita da escada.

Essas coisas interiores a lembrariam de que não era permitido ir além, por mais forte que fosse a vontade. Então ela colocou a cortina dentro da máquina de lavar roupa e sentou, a esperar pela vez do amaciante. Dali em diante, por mais que quisesse, ela nunca mais chegaria perto de buraco nenhum.

Havia descoberto que seus desejos deveriam ficar distantes. Só assim, de vez em quando, ela teria permissão de sentir, ao menos, o cheiro da madeira molhada.



Link esse texto // 0 Comentários





julho 2006
agosto 2006
setembro 2006
outubro 2006
novembro 2006
dezembro 2006
janeiro 2007
fevereiro 2007
março 2007
abril 2007
maio 2007
junho 2007
julho 2007
agosto 2007
setembro 2007
outubro 2007
novembro 2007
dezembro 2007
janeiro 2008
fevereiro 2008
março 2008
abril 2008
maio 2008
junho 2008
julho 2008
agosto 2008
setembro 2008
outubro 2008
novembro 2008
dezembro 2008
janeiro 2009
fevereiro 2009
março 2009
abril 2009
maio 2009
junho 2009
julho 2009
agosto 2009
setembro 2009
outubro 2009
novembro 2009
dezembro 2009
janeiro 2010
fevereiro 2010
março 2010
abril 2010
maio 2010
junho 2010
julho 2010
agosto 2010
setembro 2010
outubro 2010



Supercaliflagili...
Stuff no one told me
Post Secret
Mesa de Bar
Sentido Absurdo
O Diário Aberto de R.
Pigs in Maputo
Ventos Verdes
Sabedoria de Improviso
Páprica Doce
Escuridão