quinta-feira, junho 17, 2010

Autoconhecimento

Havia adesivos no porta malas de trás. Estude e trabalhe, era o que meu pai dizia. Estude e trabalhe. Eu nunca estudei. Nem trabalhei. Era poeta morto do mundo.

E como todo poeta morto, eu dissecava corpos. De animais. Porque queria aprender a enxergar por dentro. A descobrir quem eu era na vida passada. Não que isso fizesse muita diferença, mas pelo menos eu teria algo a falar. Porque como todo poeta morto do mundo, eu não tinha mais palavras.

Eu sabia dirigir. Sabia manobrar, frear, acelerar. Ver as coisas passando por janelas empoeiradas. Sabia identificar com rapidez placas e ruas esquecidas. Sabia que as ruas de lama eram menos traiçoeiras que asfaltos polidos. E como todo poeta morto do mundo, eu não sabia para onde ir.

Quando a estrada forçou minha retina naquele fim de mundo lá no canto esquerdo de outrora, um animal apareceu no meio dela. Alto. Grande. Com pelos mesclados e bocarra fétida. Alguns diziam que era um monstro. Outros que era uma anomalia genética. Eu, como todo poeta morto do mundo, saquei meu mosquete e disse: Venha!

A coisa arregalou os olhos e vi que seus dentes tinham tártaro pré-histórico. Aí ele grunhiu como se eu fosse o maior predador do mundo. Eu não gelei, mas uma gota de suor brotou bem no canto de minha orelha.

A bala passou pelo cano de 1 metro e meio sobre a culatra de madeira e atingiu bem o meio dos tantos olhos. Cheguei perto e abri o cérebro com um resto de pólvora. Havia umas gosmas e uns animaizinhos flutuantes. Enrosquei o cano lá dentro para ver melhor. Droga! O sangue me revelava. Eu era um masturbador de porco.



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