terça-feira, setembro 07, 2010
3883ª Guerra
20 de maio de 2017. Quando as tropas militares avançaram sobre o morro, eu estava em pé catando limões. Eles correram pelo verde, botando fogo, gritando contra o vento, atirando no ar. Minha primeira reação não foi me esconder ou ter medo, mas foi apertar um limão e ver escorrer por minhas articulações o azedo da fruta.
Pelo líquido, iam também minhas reflexões. A guerra havia começado por causa de luz. De energia. De concepções de mundo. De feridas tristes transformadas em raiva. De palavras doídas e de olhos embaçados. A guerra havia começado por falta de preenchimento, porque as pessoas tinham tudo e ainda se sentiam cansadas. Botaram culpa nos agrotóxicos, na lua avermelhada poluída, nas árvores que poderiam ressecar. Na autossustentabilidade.
Quando as tropas militares passaram por mim, abri um buraco em minha cabeça. Vi os celtas, cestas de frutas trabalhadas com carinho, alquimistas, grutas e paredes pintadas de dedos invisíveis que compartilhavam equilíbrio. E vi que há tempos tudo estava morto, solto em lembranças caídas por uma era de desconforto.
Os soldados esbarraram em mim e não pediram desculpas. Passaram aos berros, imbuídos de um instinto que eu ainda não conhecia. Pisaram nos limões e dispararam contra um pé de laranja mais à frente. Eles não me viam. Não se viam mais. Os inimigos eram as flores, as gramas, as colheitas. Elas atacavam, eles revidavam.
E eu estava ali, sem mais existir.
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