terça-feira, março 27, 2007

O homem do cigarro amarelo

Todos os dias ele apagava seu cigarro amarelado no cinzeiro central da empresa. Seus 15 minutos iniciais eram minutos de inspiração profunda. Após pensar e repensar sobre as pendências do setor, ele mergulhava a guimba no recipiente, compenetrado. O toco que ainda expelia fumaça era amassado até a areia mórbida do cinzeiro, queimando a ponta de seu indicador. Havia calos nela.

Quando não havia canetas por perto, ele apertava a resma branca e deixava sua marca mortal. O homem expelia gases tóxicos do pulmão.

Quarta-feira, 11/11.

O homem do cigarro amarelo cumprimenta o guarda que faz a ronda. Os olhares se cruzam, o cigarro é aceso.

12 segundos é o tempo do prazer oral. 2 até a fumaça entrar e 10 para fazê-lo se sentir culpado.

Há na guimba um sentimento de perda e ilusão. A cada tragada o homem se lembra de sua condição humana. 2 segundos até a fumaça entrar e 10 para fazê-lo esquecer.

Ele lembrou de quando cantava Smoke on the water e como todos imitavam o tanrantantan.

Pessoas. O homem do cigarro amarelo tinha aversão a elas. Pessoas são mesquinhas e cheias de pudores. Pessoas são animais controladores e libertos somente em instintos carnais.

Ele não. O não sentir estava além de sua borda sobrehumana.

Quando a ponta final da guimba queimou o dedo indicador, seu pensamento soltou um uivo.

O guarda que fazia a ronda bateu o bastão em um alumínio, emitindo um som agudo.

O homem do cigarro amarelo levou rapidamente o fio de náilon à garganta do vigilante. Queda do chapéu, queda do cinzeiro.

2 segundos até o som do baque no chão. 10 segundos de puro prazer irracional.



Link esse texto // 1 Comentários

quinta-feira, março 22, 2007

O gato que comia batatinhas

Márcio Ló vive um dia de cada vez. Ele também tem um gato cinza e branco. Todas às quintas, Márcio Ló abre uma Long Neck e coloca na varanda da casa de seu avô seu recipiente com batatinhas importadas. Ele e o avô jogam dominó até amanhecer. Bêbados, os dois disputam queda de braço com palitos de dente. Sorridentes, os dois gargalham dos vizinhos. Adormecidos, eles sonham com dias vindouros.

Pela manhã do outro dia bem cedinho, seu gato Antônio César sobe pela lateral esquerda do corrimão que dá para a varanda, lambe o bigode do avô, cheira o queixo de Márcio Ló e come todas as batatinhas do recipiente.

Quando Márcio e seu avô acordam, pensam que as batatinhas estão em seus estômagos e que segunda é um dia desgraçado de doer.

Antônio César, porém, pensa que as batatinhas são sardinhas defumadas.



Link esse texto // 1 Comentários

terça-feira, março 20, 2007

1000 Btus

Nicole Herrari tinha gotículas de suor entre as membranas dos dedos.

Nervosismo é um nó que dá no estômago vazio.

Ela sente muito calor porque vem de um trópico gélido.

Timidez é uma concha que resguarda o coração.

Todo dia, Nicole Herrari abre a janela do carro para que a poluição a atinja. A fina camada de partículas poluentes penetra buço acima, entupindo a proteção de suas narinas.

E se o mundo perdesse o cheiro?

Nicole sabe que o caminho da rodovia percorrida é perigoso.

Nervosismo é um nó que dá no estômago vazio.

Ela sabe que o que respira é venenoso.

Timidez é uma concha que resguarda o coração.

Gentilmente, a menina fecha o vidro e se tranca dentro do conforto de 1.000 Btus. Não há nada mais venenoso.


Nicole Herrari vive mais um dia. O mundo, todavia, perdeu o cheiro.



Link esse texto // 1 Comentários

quinta-feira, março 08, 2007

Quando Bush veio ao Brasil

Micaela já estava segurando o papel higiênico do vôo dois meia dois dois quando o anúncio invadiu o cubículo do avião.

# Se o Bush pousar no Brasil, explodiremos a cabine traseira!

Um alvoroço tomou conta da população aérea. Barras de cereais foram vomitadas, misturadas com garrafas de água com gás.

# Emergência, emergência, era o que uma velha executiva de cabelo partido gritava para seu Nokia.

Micaela amassou seu papel. O que faria agora? Na certa eles interditariam o avião, vasculhariam cada impressão digital em cada parte da nave. Sua identidade seria descoberta.

Seu estômago fez um barulho estranho, diferente do barulho que estava acostumada.

# Se o Bush pousar no Brasil, acabaremos com vidas brasileiras!

Aeromoças pensavam: Stress por dois mil reais! Eu ainda nem conheci Bahamas.

Micaela pensava: Mas eles não passaram pelo check in? Pelo amor de Deus! Quanta imprudência.

Antes o avião tivesse explodido.

Micaela não agüentou. Segurou as paredes do banheiro. O barulho foi tão estrondoso que os seqüestradores invadiram o compartimento.

# Saia já daí ou vamos metralhar a porta!

Micaela saiu cabisbaixa. Por entre as pernas uma água marrom escorria.

Pronto, ela estava arrasada.

Seria famosa a custo de piada. Se eles não matassem Bush, ela mesma mataria.

Um vexame público é pior do que um assassinato global.



Link esse texto // 4 Comentários





julho 2006
agosto 2006
setembro 2006
outubro 2006
novembro 2006
dezembro 2006
janeiro 2007
fevereiro 2007
março 2007
abril 2007
maio 2007
junho 2007
julho 2007
agosto 2007
setembro 2007
outubro 2007
novembro 2007
dezembro 2007
janeiro 2008
fevereiro 2008
março 2008
abril 2008
maio 2008
junho 2008
julho 2008
agosto 2008
setembro 2008
outubro 2008
novembro 2008
dezembro 2008
janeiro 2009
fevereiro 2009
março 2009
abril 2009
maio 2009
junho 2009
julho 2009
agosto 2009
setembro 2009
outubro 2009
novembro 2009
dezembro 2009
janeiro 2010
fevereiro 2010
março 2010
abril 2010
maio 2010
junho 2010
julho 2010
agosto 2010
setembro 2010
outubro 2010
Current Posts


Supercaliflagili...
Stuff no one told me
Post Secret
Mesa de Bar
Sentido Absurdo
O Diário Aberto de R.
Pigs in Maputo
Ventos Verdes
Sabedoria de Improviso
Páprica Doce
Escuridão