sexta-feira, março 28, 2008

O rastro

Rocco se arrastou pelo caminho de orquídeas. Perfumavam seu intestino, como se a dor fosse docílima. Rasgavam o ar produzindo devastação.

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5 horas antes.
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Em um dia sem nuvens no céu, Rocco decidiu desertificar a alma. Saiu pelas ruas, pisando em seus passos, correndo atrás de pontos de exclamação espalhados pela cidade, levado pelo devir. Chegou ao rastro.

O rastro era um caminho belo. Plástico, moldado pelo homem. Lembrava uma perfeita batata-frita caseira. Ele deixou-se levar pelo cheiro. Pela presença de pele invisível, toxinas que descarregavam choques no cérebro humano. A percepção do agora.

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5 horas depois.
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O cheiro era a face do Verdadeiro, o segredo do vazio que dá dentro do peito, o preenchimento de lacunas. Tudo fazia sentido, tudo era extático. Arrastou-se pelo caminho de orquídeas. A cada passo que dava, um pedaço de seu intestino era sugado por uma planta alucinógena carnívora. Ela conversava com ele, explicava como o mundo romantizado pelo homem era averso às sensações. Rocco teve lapsos sobre cachaça e zabumbas. Depois um urubu o tirou dali e o deixou apodrecer no alto de um prédio. O rastro fechou-se e nunca mais se viu pontos de exclamação pela cidade.



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quinta-feira, março 20, 2008

O catador de conchas

Mahyna dobra a folha. 17 vezes. Depois senta no parapeito da janela suja pela poluição suburbana. Conta estrelas. Pensa no catador de conchas flutuando pelo céu, dando desculpas para espantar monstros invisíveis.

O coração dela enche-se de gás carbônico. As portas da percepção rangem. “Deixe-me aqui, com meu desequilíbrio inoxidável, com essa criatividade latente que só flui gargalhando. Com a cutícula desfeita, com minha pele chamuscada.”

Papéis picados 17 vezes descem metros abaixo, letras que desmancham e emitem cores transparentes iluminam faróis de milha.

Mahyna olha para as linhas dos dedos. Interrompidas. Quebradas. Sai do parapeito, pluga-se a ondas sonoras e pendura-se no ventilador. Cai. Do outro lado, um catador de conchas masturba-se.



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domingo, março 16, 2008

O menino que mudava a cor dos olhos

Eduardo Bersot me disse um dia rapidamente:

- Tipo, agora meu olho mudou. Quando bate luz ele muda na hora pra azul. Incrivel, né?

Incrível como a luz fundia-se e desequilibrava a retina, fazendo o sangue pulsar e me lembrar do menino que mudava a cor dos olhos.

Era o fim de uma época histérica, daquela quando se usa saia balonesa. Eu tropecei nele no dia em que vi o cometa Harley. 80 anos depois. O esquerdo era âmbar e o direito da cor da minha blusa. Ele havia percebido que eu era míope. Encostei meus cílios bem pertinho e contei 2 segundos e meio. Não era permitido chegar perto desse tipo de pessoa, dava vertigem. A polícia chegou quando no céu o cometa rasgou. Nos escondemos debaixo da escada cinza. Além de mudar a cor, o olho absorvia energia. Captava a essência dos objetos. Ele me disse que o que não era suportável também não era gracioso, por isso dava para ver os males, mas não para fazer revolução nem pensar em processos.

Eu não sabia o nome dele, mas segurei sua mão. O cacetete fez o globo ocular romper-se. Ainda me lembro que ele sorriu, mas depois só me recordo do óleo negro.



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domingo, março 09, 2008

Efeito Kuleshov

Aquela música Poeira estava na cabeça dele como serra elétrica. E serras elétricas lembravam vômitos de madrugada, latas de cerveja coletadas por catadores pela manhã e um cheiro inóspito de efervescentes no ar. Camila cheirava a vitamina C.

Mas ele não estava preocupado. Era química, era física, era sexo na piscina de bolinhas. Idéias em movimento, ruídos, conceituação dramática.

Ele abaixou as calças, formou um conjunto de cenas e com sua unidade dramática deu sentido ao plano. Era o efeito Kuleshov. Depois bebeu um anti-ácido e juntou-se à multidão de Rauls. A identidade e o CPF ele havia perdido, mas no meio das bolas coloridas achou uma concha. Ela não fazia barulho, por isso ele a jogou terraço abaixo. Estava quebrada, mas era grande.

Atingiu Camila em cheio, na cabeça, igual filme B que passava no 7. Ficou com trauma. Agora, ele só faz aquilo em pula pula.



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quarta-feira, março 05, 2008

O menino que adorava pedalar seu triciclo

Lauro César era um menino tímido, mas adorava pedalar seu triciclo aos 3 anos de idade. Com suas pequenas pernas gorduchas e sua pinta no dedão do pé, descia morro abaixo, sonhando com deliciosos ventinhos nas unhas da mão. Dia desses, ele fez a mesma coisa. Desceu com seus cachos impermeáveis e suas dobrinhas de anjinho celestial. Foi atropelado por uma bicicleta de dois lugares. Perdeu o pé com a pintinha. Disseram que foi tétano. Ou erro médico. Hoje, aos 16, ele pratica bungee jumping. Mesmo sem o pé, ele persegue o delicioso ventinho das unhas.



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