sexta-feira, dezembro 29, 2006

Morangos silvestres

“Quando você ama alguém, querida, mas não sabe onde encontrá-lo, procura na textura das árvores a direção indicada. No céu, para a resposta, na água para a saída. As pessoas se perpetuam porque alguém as leva. Ou você aceita isso ou sempre vai querer ir embora”.

Rachel desejava tirar de seu consciente todos os conselhos maternos. Tão mais fácil mudar de idéia e parar de procurar.

Caixão aberto, cheiro de marfim, violetas. A vida seria menos sufocante se nessas reuniões de enterro alguém levasse uma bebida de verão.

No caminho de pedras até o altar do defunto, dormideiras se encolhiam enquanto pés as tocavam. Rachel percorre o trajeto de salto, saia florida e blusa com decote em V. Chega bem perto do além morto, close de perfil. Polaroid e Canon 30D.

# Sorria enquanto pode, idiota.

Murmúrios na salinha sufocante. Luz boa, acerta o foco, zoom. Clic. A morte é um corpo biologicamente afetado.

Na casa onde Rachel viveu havia um poço. Na infância as crianças diziam que se podia prever o futuro na borda do café. Rachel viu um caixão na água translúcida do poço artesanal. Depois do vislumbre, a água se desfez e o sol se pôs em posição perfeita para uma foto diurna, sem flash.

Desde então, ela fotografa velórios e cerimônias fúnebres. Já foi capa do The Queers e foi contratada pelo Yahoo Fotos. “Veja até onde o olho pode chegar. Já que a Times celebra você, Rachel Z. celebra você depois de morto.”

O que ela procurava só sua mãe entendia. Entre um clic e outro, gritava para a sombra de seu eu que precisava relaxar um pouco, catar uns morangos silvestres, segurar um pouco a onda. Enquanto ela fotografava o defunto 25436842384, um bule apitava. A borda de café não estava suja. Mas o destino borrava suas retinas.



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quinta-feira, dezembro 28, 2006

Sono final

“Meus olhos estão nos olhos dos heróis que eles inventam, no hálito do viajante que sonha com a antropologia social, no abraço do perdão do amigo, no sexo tântrico dos casais coloridos, no sono final da vida.”

Carlos Eduardo fez uma bolinha de papel de seus pensamentos escritos. Não foi cesta. Fechou a gaveta de sua mesa de escritório. Endireitou todas as canetas Bic, sondas espaciais. Ele conferiu a numeração do objeto quando a teoria de conspiração disse que elas eram instrumentos de identificação alienígena.

Dois minutos depois, deu uma pequena mordidinha na tampa da caneta.

Resoluções para o próximo ano, pensou. Isso sempre acontece quando a hora do almoço está chegando e o pequeno tédio se instala entre a mesa do escritório e a pessoa de Carlos.

Fechou a janela do Googletalk, limpou sua caixa de email. Resolveu assear seu mouse, tirar as sujeirinhas incômodas.

# Preciso comprar um mouse ótico, gritou para o estagiário.

Ele era bom com os estagiários, sempre os liberava 10 minutos antes do expediente.

Eu tenho uma alma, mas não sou soldado, pensava às vezes.

Ele poderia levantar e sair logo dali, mas não fazia. Era chefe dos estagiários, mas não chefe do departamento.

Carlos Eduardo pegou seu marcador permanente e escreveu o nome do Monobloco em seu DVD virgem.

Resolução 1, pensou. Pensou e pensou. Às vezes o cérebro pára e congela em uns milésimos. É nesse tempo que caímos em múltiplos pensamentos bizarros.

E se eu morrer exatamente daqui a 1 hora?
E se o leite azedar e eu ter que beber miligramas podres?
E se cylons descessem agora e dominassem o planeta de novo?
E se Jack Bauer descobrisse que era na verdade MaGyver?
E se os estagiários colocassem bombas caseiras dentro dos banheiros dos funcionários?


Assim como eles chegam, eles vão. Pensamentos bobos duram uma eternidade, mas idéias brilhantes somem em questão de segundos.

# O que você disse, chefe? – perguntou o estagiário.

# Droga, Jeffe. Você me atrapalhou de novo! – respondeu Carlos Eduardo.

# Você não me gritou?

# Não, eu só não quero que você vá ao banheiro agora. Tem como gravar aquele DVD para mim?

# Tá, chefe.

# E além disso...

# Sim?

# Esqueci. Deve ser a fome.

O homem coloca a lapiseira no furinho da Bic preta e roda.

Resolução número 2, pensou.



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quarta-feira, dezembro 27, 2006

O nosso mestre é o Guedes!

Elisael levava uma vida robótica. Todo dia ia dormir às 10 da noite e calculava oito horas seguidas de sono para acordar. Mas na ante véspera de seu aniversário de trabalho, acordou suado e ofegante no meio da noite.

Meu Deus, pensou. Nunca acordei de madrugada!

Deu um sorrisinho e lembrou que havia esquecido de passar seu fio dental extra fino.

Oito horas de sono, pensou. Fechou os olhos. Era uma noite de primavera e o tempo estava calmo.

# O nosso mestre é o Guedes! O nosso mestre é o Guedes! O nosso mestre é o Guedes!

Elisael arregalou os olhos sem olheiras.

# O nosso mestre é o Guedes! O nosso mestre é o Guedes! O nosso mestre é o Guedes!

Olhou para um lado, o suor escorria entre as costeletas.

# O nosso mestre é o Guedes! O nosso mestre é o Guedes! O nosso mestre é o Guedes!

Tirou o lençol do corpo rapidamente.

# O nosso mestre é o Guedes! O nosso mestre é o Guedes! O nosso mestre é o Guedes!

Agarrou-se ao travesseiro. Silêncio. Ele estava acordado e sem sono. Era assim a insônia?
Escutou os barulhos da madrugada. Um tic tac pulsante de seu coração. Um latido de buldogue na rua vizinha. Um bater de asas de morcego. Um mosquitinho solitário. O passar de um avião. A eletricidade dos postes de luz.

Foi ao banheiro e higienizou seu dente sensível. Quando voltou, o sono havia voltado. Junto com ele, uma brisa noturna e o incômodo do silêncio.

Sentou na cama. Retirou seus chinelos especiais dos pés. Puxou o lençol para perto do queixo. Deitou confortavelmente em seu travesseiro de fronha azul. Quando os cílios de cima atingiram os cílios de baixo...

# O nosso mestre é o Guedes! O nosso mestre é o Guedes! O nosso mestre é o Guedes!

Elisael decidiu permanecer de pálpebras fechadas. Sussurros sopranos rondavam o quarto.

# O nosso mestre é o Guedes! O nosso mestre é o Guedes! O nosso mestre é o Guedes!

A raiva tomou conta de Elisael. Ele levantou furioso, retirou todos os lençóis da cama, revirou o colchão, descabelou-se. Já era quase a hora do galo quando encontrou no rodapé do guarda-roupa uma fileira de formigas anães, perto de sua coleção de aparelhos de barba usados. Elas entoavam cânticos de felicidade.

# O nosso mestre é o Guedes! O nosso mestre é o Guedes! O nosso mestre é o Guedes! – diziam.

Elisael Guedes desde então as guarda dentro de um pote de tupperware. Quando a insônia vem, ele as retira e se diverte vendo-as comer manteiga molenga.



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terça-feira, dezembro 26, 2006

Tardes de glicerina

Ela levava todos os meninos que beijava para a Pedra do Arpoador. Eles contavam seus segredos e viam as gaivotas se suicidarem mar adentro.

Pacífico, Atlântico, Índico. Todos levavam e traziam notícias dos pensamentos de pessoas que observam o mundo. A imensidão do infinito tocava os cabelos dos meninos beijados. Na areia da praia, um peruano que acabara de chegar do trem da morte com um cordão de nós em forma de borboleta, um beckeiro que tocava os pés e tingia-os de flores, dois surfistas com cabelos pretos. No infinito, três helicópteros.

Eu quero o mundo dentro de uma garrafa de mensagem. Queremos beijar todos os garotos sexy. Abrir os braços para a clareza dos últimos raios de sol. Ter pulseiras com mensageiros de amor. Cumprimentar cada turista com abraços de urso.

Distribua doces finos nos banheiros públicos. Limpe a vida dos imigrantes. Desligue as luzes dos postes e transforme em néon. Tire um cachorro doente do lixo. Tarde com amigos longínquos.

Mas ela só pensava, por isso foi para casa e tomou um outro banho com sabonete de glicerina.



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segunda-feira, dezembro 25, 2006

Tula

Ele havia viajado para a capital da Hungria, interior da França, Fiordes da Noruega, Saara, Muralha da China, Toledo na Espanha, Monte Fugi e Lençóis Maranhenses.

No sul da Sibéria Oriental, Rússia, encontrou no Lago Baikal um pedaço de uma carta, rasgada em dois pedaços.

No Colorado, Estados Unidos, achou o segundo parágrafo na Mesa Verde.

Em Sri Lanka, sul da Ásia, a última linha no pé da Montanha do Leão. O meio em Lisboa, no Mosteiro dos Jerônimos. A terceira parte nos Templos de Abu Simbel, sul do Egito.

Montou o fim do quebra-cabeça na Porta de Ishtar – Iraque.

Desde então, vem tendo sonhos estranhos. Um homem de bigode entra em sua casa e ele acorda perto do Vulcão Etna. A passagem até Sicília é longa. Suor e batidas repetidas em um pedaço de ferro. Alguém quer a carta.

Ele diz que não a possui. Alguém quer a carta. Ele diz que não a possui.

A sombra de alguém o pega pela goela. O pomo de Adão está sendo espremido. Mas antes dos olhos virarem e a tortura terminar, ele lembra do Mar Morto. Como viu corpos sendo jogados e um cheiro forte subindo com a maresia.

O destino do homem, pensa. A humanidade se decompõe devido ao tédio. Ele se vê juntando os pedaços da carta, colada em minuciosas fitas durex.

Dubrovnik, Croácia. Ele queima a carta. A cola do durex é lentamente derretida.

Ilha italiana. Ele diz que não a possui. Alguém quer a carta. O pomo de Adão está sendo espremido.

A carta some porque a consciência está sendo dissipada pela violência da sombra das mãos de alguém que quer a carta. O corpo é jogado no lixo central de um grande depósito de carvão. A sombra caminha por um grande corredor escuro.

Na região central da Califórnia, na Floresta de sequóias, um novo corpo recebe as memórias dele. As lembranças da carta e um destino em Tula. Ele levanta, tonto.

# Cidade do México, ele diz. Leva sua mão ao pomo de Adão.

# Cidade do México? – uma sombra atrás da sequóia aparece.

# Ataques suicidas – ele diz. Abomináveis.



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sexta-feira, dezembro 22, 2006

Ayers Rock

Ayers Rock. Tarde. Chamado de Uluru pelos aborígenes. Pedra vermelha no coração da Austrália. Segundo a lenda aborígene, a erosão das escarpas é obra de serpentes que ali viviam desde a criação do mundo.

Lily carrega uma cesta de tomates. Fitilhos vermelhos nos cabelos cinza escuro. Pequena coroa verde. Vestido com rendinha nas pontas. Meia verde clara e sapatilha.

Ela pisa em folhas estrelas ao longo do caminho. O sol é reflexo avermelhado do coração da Austrália. Ao longo da trilha os tomates vão caindo. Lily chega na pedra vermelha com um único fruto do tomateiro.

# Eu ofereço este tomate em nome de todas as meninas que carregam o amor.

Do meio das escarpas, uma coral rodopiou. Veio lentamente até a sombra de Lily. Olhou em seus olhos castanhos claros e disse:

# Vai embora. O fim do mundo acabou.

Lily Lefevre arrancou as sapatilhas e estrangulou a cobra que ao invés de morrer sufocada, evaporou. Desde então, podemos identificar três estrelas próximas entre si, de mesmo brilho e alinhadas. Elas são chamadas Três Marias e formam o cinturão da constelação de Órion, o caçador.



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quinta-feira, dezembro 21, 2006

Regras para o próximo ano

Dez maneiras de expulsar os demônios quando eles estão por perto:

REGRA 1 para mulheres pouco privilegiadas:
·“A voz dela é problema espiritual, gente. Vou mandar ela pro descarrego.”

REGRA 2 para vizinhos dados:
·“Oi. Esse é Y. Meu colega de bairro.”

REGRA 3 para carneirinhos indefesos:
·“Tem um pequeno objeto pretinho no orifício do seu nariz”

REGRA 4 para ovelhas inimigas:
·“A sua escova de chocolate é de que cacau?”

REGRA 5 para sogras aluadas:
·“É verdade que a titica que seu filho come é hereditária?”

REGRA 6 para chefes totalmente higiênicos:
·“Chefinho, esse copo com suco de laranja tá aí há uma semana. Sentiu o quentinho?”

REGRA 7 para deuses dará:
·“É verdade que por trás só nasce coelhinhos?”

REGRA 8 para caras fracos, pele osso quase sem recheio:
·“O fruto de duas pessoas nem sempre é maracujá de gaveta.”

REGRA 9 para professores boca de xereca:
·“Nunca cuspa em seus alunos.”

REGRA 10 sobre currículos:
·“Para sorrir nem sempre se mostra os dentes.”



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quarta-feira, dezembro 20, 2006

O dono da verdade

Ele era capaz de saber toda a verdade do mundo. Um dia, caiu de um paralelepípedo e bateu com a cabeça. Processou a prefeitura por lombadas muito altas. Enriqueceu e agora conta anedotas. Invocou o poder da lábia no meio de nós.



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terça-feira, dezembro 19, 2006

Nora

Nora balança os pés dentro de um chafariz. Terça, 17 de abril de 2006. Ao redor do chafariz, vários departamentos importantes para o governo. O céu, azul em sua magnitude, em contraste com o verde polido do gramado. Bancos em torno de sua presença. Algumas pessoas sentadas. Terninhos e trajes de trabalho governamental.

Causas só são perdidas quando desistimos. Ela precisava se agarrar a esse pensamento para fazer o que é certo. O certo como uma questão de ponto de vista.

Em duas semanas ela não lembrará mais dos rostos deles. Não consegue lembrar de nenhum rosto depois que ele é morto. É como se nunca tivesse existido. Por mais que ela tente, as memórias fogem.

Estamos salvando a humanidade para um futuro brilhante? Cheio de cicatrizes e memórias falhas?

As respostas eram as notícias que te pegam em um dia ruim, quando tudo vai embora. Todas as falhas humanas, as tentativas de manter paz. Os planos estratégicos e as lutas cíclicas. A fome do mundo, a escassez e a ganância. O que seria do homem sem a morte daqueles que ele ama?

Nora precisa achar uma solução. Sua decisão destruirá a vida de 20 mil, dará resposta para mais 15 mil e agradará 5 oficiais. Sua deliberação perseguirá 5 inimigos, instigará 15 mil perguntas e resgatará 20 mil vidas perdidas.

A angústia do livre arbítrio, o fardo da escolha. Enquanto os pés tocam a placidez da água, as idéias são formadas em sua mente abaixo da média registrada em testes de QI do século passado. Solução não requer inteligência, mas instinto. Sobrevivência.

Aqueles que passam pela guerra não discutem, atacam. Escapa quem tem o reflexo mais intuitivo. Os guiados. Os traumatizados e os de consciência presa.

Terça, 17 de abril de 2006. O céu, azul em sua magnitude, em contraste com o verde polido do gramado. Nora Aguiar mudou o destino do mundo.



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segunda-feira, dezembro 18, 2006

Eu bebo sim!

Um conglomerado de formigas à beira do rio + um caramujo no fim dos dias.

CARAMUJO PARA FORMIGA RAINHA: # Você sabe que a água do mundo vai acabar, né?

FORMIGA RAINHA: # Sim.

Formigas e pulos mortais vindos de folhas de samambaia.

CARAMUJO: # E o que vocês estão fazendo?

FORMIGA RAINHA: # Afogando as mágoas.



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sexta-feira, dezembro 15, 2006

Honras

Visão aérea de Angkor Wat pelo Google Earth. O colossal templo hindu do século XII é castigado por brisas quentes.

Olivia Velasco corre desesperadamente pela superfície. Perseguida por vozes, nos últimos minutos de sua medíocre vida humana, ela pisa no solo com unhas escurecidas.

Ontem ela viu flashes de Acrópole de Atenas, a Antigüidade caçada por historiadores que têm memórias escapatórias.

Arrepiou-se antes de ontem quando Alhambra, com seu Jardim Real, atravessou seu corpo, deixando um cheiro de óleo de oliva.

Há vinte horas passou por Capadócia e seu rei Mathias, oito andares abaixo do solo, escondido em uma cidade subterrânea e preso em uma lenda de labirintos de cavernas. É na clarabóia que a voz sussurra em seu ouvido pela primeira vez.

Desde então, a casa dos deuses da mitologia Hindu a chama.

O que são as lembranças a não ser espaços vazios de vida, aromatizados com memórias insignificantes dos momentos que criamos dentro de nosso cérebro? A arte encenada para que possamos aplaudir ou vaiar no final. Contabilidade ou poesia?

Olívia Velasco irá desaparecer porque está no centro de adoração mais amplo do mundo. Porque pisará em falso na estrutura erigida pelo rei Suryavarman II. Porque o jogo avança. Porque quem diz que o destino é sábio nunca levou uma mangada na cabeça.

O portão sul fecha. As vozes ainda a perturbam. Guias e demônios que nos acalentam vida a fora. O ser humano precisa de deuses, de lendas cíclicas, de heróis que redimem a humanidade, de folgas de fim de semana, de sorte.

Olívia Velasco quer chegar ao terraço dos Elefantes, dizem que lá podemos pedir todo a força que nos rege. Mas a erva-daninha está verde demais. Algumas vezes, elas ficam envergonhadas e se escondem, escorregadias e limosas.

Não há tremores no destino mais quente da Ásia nem honras para as pedras cinzas do templo. Longe, ecoam os murmúrios dos guias cambojanos que se dirigem aos grupos de turistas em inglês, francês, alemão, italiano, japonês, chinês e coreano. Às 5:30 o sol nasce sobre os templos e Olívia Velasco ouve a última voz que diz:

# Não peço que as pessoas acreditem em mim.

O quinteto de torres é testemunha. Olívia Velasco grita, mas o pedido não chega ao terraço dos Elefantes porque as folhas interferem no caminho de um pé que acaba por pisar em um tijolo solto.

A sofisticada grandiosidade do lugar vê o corpo cair. Dos bolsos de Olívia despencam 40 dólares. O deus Avalokiteshvara que decora o templo de Bayon sorri. A natureza cobra de volta o que o homem decide roubar.

O Google Earth é desligado.



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quinta-feira, dezembro 14, 2006

Gargantas profundas

Um garotinho de 5 anos fraquejava na esquina da Dom Walmor com a Marechal Floriano. Azul, verde, lilás, estava sufocando. A dona da mercearia abraçou fortemente o menino entre seus peitos fartos e suados. Ele continuava engasgado. Estava quase vendo a luz no fim do túnel quando o florista perto do cemitério o pegou e o sacudiu de cabeça para baixo. O garotinho expeliu alguma coisa com um buraco no meio, vermelhinha e gostosinha.

# Bala soft, ele disse. A maldita.



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quarta-feira, dezembro 13, 2006

Tina

Ela não suportava contatos sociais. Era mestre na arte de evitar pessoas. Por isso mesmo, sabia como ninguém o que acontecia no mundo.

Era conhecida como Tina Turner, porrada verbal que nem Ike.

# Oi, gatinha.

# Ninguém mais usa essa palavra. Cai fora, gatinha ficou no fim dos anos 90, junto com filé.

Evitar companhias, lema 1. Dizia que o ser humano era traidor por natureza.

# Ele, Tina? Mas ele é honesto.

# Vai por mim, um traidor pode ser tão honesto quanto nós duas.

A verdade é que ninguém suportava ficar perto dela. Um poço de desculpas inteligentes.

# E você dá por trás?

# Claro, o expelir de fezes é um miniorgasmo sedutor.

Algumas vezes, tinha pressentimentos do além.

# Quebrei meu celular. E agora? O que faço?

# A habilidade psíquica é coisa normal, não sobrenatural.

Outras, ela usava táticas de tia.

# Eu não consigo parar de roer unha, menina!

# Já tentou fumar unha? A unha é como fezes, você vai expelindo.

Muitas vezes, ela apelava para expressões catadas em cadernos escolares do fim dos anos 80.

# Eu juro, querida, é a última rabanada.

# Não minta para mim, ameixa seca.

Outras vezes, ela era delicada e simples.

# Você pode passar o Natal lá em casa. Tem uma jacuzzi onde nos encaixamos perfeitamente.

# Não, obrigada. Faço parte da Sociedade Abolimos o Natal, muito nojo de banheira. Sabe como é, trauma de motel.

Ela era, enfim, feliz.



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terça-feira, dezembro 12, 2006

O alfinete

Ela não conseguia pensar porque tinha uma bola de pensamentos grudada ao ouvido. Pulou, socou, chacoalhou, mas nada acontecia. Sua prima-sobrinha sugeriu um alfinete. Quando ela o usou, o estouro foi tão forte que até hoje há resquícios de bolinhas nas palavras. Dizem que foi daí que surgiu a reticência.



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segunda-feira, dezembro 11, 2006

O espelho do príncipe

O príncipe é aconselhado sobre como escolher funcionários, como controlá-los, lidar com petições e queixas dos súditos, como se aconselhar com os mais velhos, como recrutar soldados de diferentes raças. O conselho trata basicamente dos perigos a que se expõe o soberano absoluto. Entretanto, ninguém o aconselha quando ele próprio emite o perigo. Quando a iminência de ficar isolado dos súditos o enlouquece, quando ele fecha a porta e retira o véu do espelho.

Havia um eunuco do período dos abácidas que contava essa história para que o povo apoiasse o soberano em tudo que fosse lícito, mesmo que ele fosse injusto. Segundo ele, o conceito de justiça era relativo ao tempo. O tempo era cronológico ou multidimensional? Circular ou paralelo?

A certeza era um ponto de interrogação em uma oração não subordinada. O príncipe tinha um segredo e segredos são mortais quando revelados.

Ele era um bom guia e pacificador. Só duas guerras ocorreram em seu governo. Uma para colocá-lo ao poder e outra porque queriam derrubá-lo. Ele proclamava a grandeza do Ser que criou o mundo e a baixeza do homem em sua presença. Pedido individual. As preces são pedidos individuais. Egoísmos no auge do desespero.

O príncipe havia se dirigido a seu quarto especial na data de seu motim. Trouxeram o espelho da Pérsia quando seu pai falecera em um outono passado.

Podem tirar tudo de um homem, mas não podem derrubar uma imagem’, seu pai falara antes de se encaminhar para o Jardim Final.

O príncipe nunca se tornaria rei porque seu irmão já o era. Mas naquelas terras o poder do príncipe era maior do que um reinado. O príncipe era escolhido pela nação. A democracia camuflada em fantasia. A globalização de vários pedidos.

Quando o príncipe levou a mão à sua imagem refletida, o tempo deu um salto.

O véu já não mais balançava para a esquerda. Na sala já não havia adereços de palácio. Ele saiu às ruas como homem comum. Dentre as terras, ratos engatinhavam, sedentos e famintos. Os fedentinos tinham as carnes podres expostas em feiras.

# O que aconteceu? – perguntara o príncipe.

# Um louco tirano matou o Príncipe – disse um vassalo.

# Mas eu sou o seu Príncipe.

O vassalo riu.

# Se você fosse o Príncipe não teria essa imagem. Se você fosse o Príncipe saberia que o rei planejava matá-lo.

O príncipe assombrou-se. Correu de volta para o quarto especial. O véu balançava para a esquerda. Quando o Príncipe puxou o véu e desnudou o espelho, o tempo deu outro salto.

Os adereços do palácio pareciam intactos.

Ele rapidamente chamou um súdito.

Meia-hora depois anunciaram que o príncipe ordenara uma caça à cabeça de seu irmão rei. Quem a levasse até ele se tornaria conselheiro pessoal e herdaria moedas de ouro.

Quarenta minutos depois o chão do cômodo especial estava regado a sangue. O véu balançava para a direita.

# Um louco tirano matou o Príncipe, gritava um vassalo entre o povo.



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sexta-feira, dezembro 08, 2006

Bolas de gude

De acordo com a revista UFO Gênesis, em outubro de 2002, um adolescente chileno descobriu um ser com menos de oito centímetros, num matagal existente em Las Lagunas, Concepción, a 500 Km de Santiago. O ser ainda estava vivo, mas uma semana depois morreu. Seu corpo se mumificou rapidamente, sem entrar em decomposição. Grande crânio, dedos compridos com garras e duas pernas. Até hoje não foi identificado como algum animal conhecido.


Savina estava procurando suas bolas de gude no campo aberto no interior de Iguaba quando ouviu um queimar na mata. A garota estava mais preocupada em catar todas as bolas, já que uma chuva de verão estava preste a cair quando uma criatura pequenina a fitou. Dedos compridos com garras, sorriso perfeito e linear. Savina deu um passo para trás apertando na mão todas as suas relíquias de gude. A criatura olhava para os dois lados aflita. Savina também.

O ser de grande crânio aproximou-se. Savina ia perder, mas não tinha alternativa. Atacou o ser com as bolas de gude, como em um gigantesco pinball. Um reality show de jogos do Windows.

Quando todo vidro circular entrou no corpo do pequenino, Savina correu. O corpo com menos de oito centímetros se mumificou rapidamente. Mas dois dias depois foi estraçalhado por um grande trator.

A vida alheia era um temor constante na região da lagoa.



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quinta-feira, dezembro 07, 2006

Minha eterna vida de chiclete

Lucas arremessa um chiclete pela janela do vidro. Dois segundos depois se arrepende. Estaria ele contribuindo para o aumento de enchentes na região? Uma pontada no peito surge. Ele gosta de ser o carona. Sentir o vento correndo quilômetros através de seu rosto. A paisagem passa como se fôssemos fotogramas. A rodovia é nova. O pedágio aumentou. Ele vê um cavalo morto enterrado e logo em cima uma cruz de madeira. Entretanto, os pés do animal continuam para fora. A vida na cidade é um deparar constante de acontecimentos drásticos. A morte ocultada em higienizações, escondida debaixo da terra, mas com os pés de fora.

Lucas balança dois dedos para que a respiração do mundo traga o pulsar da vida para sua pele. As pessoas atravessam essa via expressa enquanto que cavalos sobem e andam pela passarela.

Corredores em uma rodovia. Homens que expelem gorduras sudoríparas misturadas com o dióxido de carbono dos veículos. Expira-se saúde televisiva e inspira-se poluição automobilística.

As casas são feitas de madeira, esperando Lobos Maus que assopram as estruturas até elas caírem. Todos porquinhos indefesos. O lixo anda lado a lado com os carros importados. Babaloos versus Ping Pong.

Lucas também contribui para o buraco da camada de ozônio, mas em compensação ajuda uma Ong internacional e seu imposto é abatido por isso. Vê raios de luz formando um arco-íris em plena tempestade de verão.

Ele vai passar perto da UFRJ, então fecha o vidro. O fedor do valão é insuportável. Suas narinas iriam ser tampadas se o vento continuasse batendo.



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quarta-feira, dezembro 06, 2006

Kaija Haila

É um lugar sagrado. No lado ocidental, há uma área de rocha vulcânica. A planície costeira eleva-se em cadeias de morros e planaltos. Um vento de monção corta os cabelos de Kaija Haila. Ela cata frutas e grãos em um chão de nascentes. Migração sazonal em longa distância.

Kaija rói as cutículas. Gosta de sentir o arrancar da pele dos dedos. Ouve-se um barulhinho fino vindo do leste. Talvez fosse o vento ou impressão adolescente. A menina pára e cata rapidamente as sementes que caem pingadas no bolso do vestido de uma cor. O barulhinho fino aumenta assim como o nervosismo de Kaija. Ela tira de dentro do outro bolso um pêndulo que marca 31 minutos.

Por que umas pessoas são escolhidas e outras não? Por que uns vencem e outros são derrotados? Por que a vida é uma via de mão dupla e os escolhidos os privilegiados? Se voltamos em outra reencarnação, r que o sofrimento é opcional? Por que Cristo, Maomé e Buda se o ser humano é puro instinto? Por que o chão treme quando Kaija Haila ouve um assobio? Por que o pêndulo marca 32 minutos e ela corre?

O bolso fora costurado com grossas linhas azuis. Um azarado fez esse trabalho antes de ser deixado de lado. Os sobreviventes são amaldiçoados pela culpa de correrem mais.

Kaija Haila sempre confiava em seu instinto, mas o barulho daquele dia fez com que ela diminuísse os passos da corrida. Do outro lado do lago uma figura formava-se. Kaija lembrou de se ajoelhar e pedir proteção pelos que se foram noite passada no templo de adobe.

Mas hoje seu coração havia esquecido de tocar o pêndulo. Do outro lado uma menina de seu tamanho acenava. Elas tinham as mesmas características físicas. Magras, cabelos lisos até o ombro, olhos mel e boca fina. Kaija olhava para a outra menina hipnotizada. Ela tinha a mesma marca na mão esquerda. Um conjunto de 5 pintas simetricamente desenhadas. Mas a imagem do outro lado era de uma branquidão da Antártida, o mais inóspito continente do globo. A imensidão branca da outra do lago brilhava em contraste com sua pele negra. A melanina de Kaija a blindava do envelhecimento enquanto que a outra menina se encurvava contra o sol que penetrava poros adentro.

Ventos de 300 km por hora. Várias tonalidades de branco. Era o antigo inverno de 6 meses, 90ºC negativos.

A menina branca gritou Haila. Kaija apertou o pêndulo. 33 minutos marcava. A menina branca viu uns pontos caírem do bolso de Kaija. O sol esquentou e ela se escondeu. Seu mundo desmoronava. O mundo de Kaija estava sendo construído novamente.



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terça-feira, dezembro 05, 2006

Louva-a-deus

Conversa entre os louva-a-deus. Conversa em uma cidade onde nada acontece. Ao fundo, Don’t talk, just kiss, fazendo com que no íntimo eles relembrassem o episódio da excursão à Petrópolis aos 12 anos.


Ser 1: # Milkshake de ovomaltine eu não bebo.

Ser 2: # Mas essa era a surpresa.

Ser 1: # Então eu detestei o ocorrido.

Ser 2: # Você não viveu nos anos 90, não? Todo mundo bebia ovomaltine.

Ser 1: # Uma palavra: enjoativo.

Ser 2: # Não bebe, não mente, não se droga, não sacaneia nem rouba. Mas é sexualmente pervertido.

Ser 1: # O meu aniversário é no mês de dezembro, mais certo no dia 03.

Ser 2: # E?

Ser 1: # E sou de Sagitário. Honestidade. Dizer a verdade da maneira como percebo.

Ser 2: # Seria o Papa mestre dos magos?

Ser 1: # Você viveu demais os anos 90. Você sabe que estamos em 2006, não sabe?

Ser 2: # É, eu sei. Eu nasci meio Ewan McGregor.

Ser 1: # Choose life.Choose a job. Choose your future?

Ser 2: # Não. Faço hipnose para parar de fumar.

A estação é trocada. Ouve-se ao fundo It’s the end of the world as we know it, and I feel fine.

Ser 1: # Cara! Essa música. A excursão de Petrópolis, lembra?

Ser 2: # Não. No meu ônibus a Irmã só deixava tocar RPC.

Ser 1: # No meu rolavam altas sacanagens pervertidas. Isso é INXS, né?

Ser 2: # Não! Claro que não. É R.E.M.

Ser 1: # Hum.... O andrógino?

Ser 2: # Mike Stipe. Ele é um belo ser humano.

Ser 1: # Se ele fosse uma fada ia explodir purpurina.

Ser 2: # De onde você tirou isso?

Ser 1: # De um blog. Eu vivo esse século, tá sr. Carl Benjamin Boyer.

Ser 2: # Ano passado ganhei História da matemática.

Ser 1: # Ano passado eu ganhei Joni Mitchel.

Ser 2: # Ela já morreu, quem se importa?

Ser 1: # Ela tá vivinha, meu. Me passa esse Ovomaltine.

Ser 2: # Vamos pegar o dropis de anis?

Ser 1: # Faça o que quiser.

Ser 2 levanta, vai ao caixa, coloca uma arma na cabeça do dono e diz: # Um dropis de anis, de graça, por favor.

Os louva-a-deus são insetos relativamente grandes, tórax estreito e abdômen bem desenvolvido. São predadores agressivos.



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segunda-feira, dezembro 04, 2006

Vaga-lumes

Ela era uma menina que colecionava vaga-lumes porque queria prender a luminosidade a qualquer custo.

A beleza dos pirilampos em um pote de vidro. Luz translúcida aos olhos de uma prisioneira.

Ela gostaria de saber se um dia a vida seria felicidade constante. Mas como resposta reinventaram os comerciais de margarina.

Prender pirilampos era como prender um pouco de sua própria luz, força que emana sentidos. Todos nós prendemos para anestesiar o imo, já que 30% de nós mesmos sempre deseja ir embora.

Mas os vaga-lumes morriam por falta de ar e a cada vez que ela enterrava um perdia um pouco de sua extra sensibilidade.

O fim do sonho era a descrença.

Por isso de vem em quando ela soltava um pirilampo. Algumas vezes ele voava e sumia. Outras, trazia alguém mais na garupa.

A menina permanecia prisioneira, com a íris na esperança do horizonte. Naquele que voa e some.

Ela, porém, continuava a esperar na garupa.



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sexta-feira, dezembro 01, 2006

Nova era

Camille tinha dois caminhos a seguir: a estrada azul e a estrada vermelha.

Jogou para o céu uma moeda de 1 real. Cara azul e coroa vermelha. Quando a moeda caiu no chão do asfalto quente, ela voltou para casa e assinou a Net. A era era do Jack Bauer.



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